quinta-feira, maio 31, 2007

Silêncio

Por amor, aprenderia a cantar,
mas ando muda.
Um deserto me cerca, cega, seca, com sua quentura bruta apagando meu calorzinho lento, de ir se acendendo aos poucos.
Meu silêncio é de espera, da espera de um canto que queria ouvir, que deveria vir, serenata, talvez.
Serei também surda? Ou apenas sonho? Não sei. Tudo é silêncio. Substituo o canto por versos discretamente melancólicos.
As palavras são ecos desta minha andança sem amor.
Admiro vitrines, contemplando os amantes e a música
que suas mãos compõem e seus olhos cantam.
Assim, finjo ouvir, quase vejo o meu amor,
meu cavalheiro encantado
a me roubar deste meu chão seco e silencioso.


Imagem: Rodin

Hoje tem um poema novo lá no blog do Leo. Não gostaria de ler?

sábado, maio 26, 2007

Caminhada

Perdão, amigo.
Confesso que perdi o rumo e a hora.
Vivo tanto por aí, sonhadora, que esqueci que a vida é inexorável, não aceita desvios, devaneios, não tem tempo para nada além do seu ofício de sempre ir.
Sabe? Perdi aquela esquina que levava à felicidade,
de tão cega de procurá-la.
Já passei e aqui neste ermo onde estou de passagem,
deixo os sonhos de antes,
deixo a alma.
E vou indo como deve sempre acontecer e finjo ser criança.
Lenta pelo peso das dores que carrego,
vou calma.
Incorrigível porém, insisto
e vou por aí, sonhadora.
Na bagagem de toda a vida,
levo também a esperança.

Imagem: Yakovina

sexta-feira, maio 25, 2007

OS MEUS NAMORADOS


Betty, cujo blog é um dos mais lindos que tenho o prazer de ler, enviou-me um meme, para falar do que estou lendo, coisa que adoro fazer. Por isso, tenho que me conter para que este não seja o maior post do mundo.
Ah! não é fácil. Quem me conhece sabe da minha paixão pelos livros, que considero namorados. Já falei aqui da relação que mantenho com esses amores, carnal, intensa, contínua. Adoro tocá-los, cheirá-los e ficar de longe admirando sua beleza exterior, mesmo que estejam esfrangalhados, como o meu "Espumas Flutuantes", que já quase não se pode pegar (tadinho!).
Quem me conhece sabe também que sou meio indisciplinada e totalmente infiel em minha paixão pelos livros. Nunca estou com apenas um. Ao meu lado, dormem três e aqui, no meu "escritório", mais uns três ou quatro (de poemas) estão abertos, virados e revirados, sem ordem nenhuma.
Porém, o amor do momento é uma releitura: "Viva o Povo Brasileiro", do genial João Ubaldo Ribeiro. Já é nosso terceiro encontro e ele sempre me atiça as emoções todas: orgulho, raiva, vergonha, diversão, admiração. Sua descrição da catequização dos índios feita por um índio é um primor de ironia e verdade histórica. O livro reconta a história da formação do povo brasileiro, com uma visão sarcástica e real de seus integrantes: índio, branco e negro. A linguagem é riquíssima (e exige um dicionário do lado, mas nada de assustar). Há páginas que são verdadeiros poemas. Segundo o apresentador da edição que leio, este livro "é o simulacro do mundo", encarnando o nascimento mítico de uma nação". Recomendo-o a todos.
Além desse, ando lendo também "História de O" (de Pauline Réage), uma perturbadora história de sadomasoquismo, "Conversas sobre Política" (de Ruben Alves), um livro pequeno e muito fácil de ler, mas que suscita muita indignação. Entre os poemas, são muitos, por isso só digo de "Cem Sonetos de Amor" (Pablo Neruda), emocionante demais e "Intervalo Amoroso" (de Affonso Romano de Sant'Ana).


"Deixe que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique, deixe
que nossas línguas se toquem, e as bocas
e a pele
falem seus líquidos desejos".
(uma mínima amostra de Afonso Romano para que você comece a lê-lo imediatamente)

Imagem: Van Gogh

Hoje tem um poeminha mínimo lá no blog do Leo.

segunda-feira, maio 21, 2007

De tudo, só você

De todas as partes em que me divido,
de todos os abismos que me habitam,
de todas as faces e fábulas
do meu ventre nascidas,
de todas as manhãs que minha noite invade,
de todas as vidas por trás da minha,
de todos os cais onde aportei,
de todos os rochedos que sobrevoei,
falcão ou gaivota,
de todos os amores que me enfeitaram,
você, meu amor,
é a parte e o todo dos meus pedaços
é a corda e o nó de me resgatar e prender
é a raiz que me sabe do avesso
é um amanhecer que nunca anoitece
é todas as estações de todas as vidas,
meu refúgio, meu destino de pousar,
meu ninho, meu colo de, finalmente, descansar.

Hoje tem um poema novinho lá no belíssimo blog do Leo.

domingo, maio 20, 2007

"Sabedoria Vegetal"

"Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)”
Manoel de Barros

E me invadi de imagens de esperança.
Verdes, ou nem sei.
Tudo se transformou em primavera que esqueceu o relógio e,
apressada, coloriu antes da hora.
Tudo novo, tudo broto explodindo,
tudo cor e seiva e flor.
Pensei que era o amor
e me enfeitei para recebê-lo,
emprestando das borboletas,
o vôo sem asas que o amor inventa de voar.
Era ilusão.
A primavera, percebendo seu engano,
foi florescer em outros mundos,
enquanto aqui ficou o inverno e sua desolação.
Hiberno-me (pode ser que ela volte) e neste frio de morte,
clamo aos deuses das estações, das flores e da vida
que me doem um pedaço pequenino da sabedoria vegetal de
conseguir novamente brotar nas cicatrizes (que doem, doem)
deixadas pelo cruel cutelo do amor que não germinou.

A epígrafe é um meme, enviado por minha querida amiga Ursa Sentada para que o desenvolvesse. Não sei se consegui.

sexta-feira, maio 18, 2007

Palavras

Escondo-me entre palavras,
véus de me despir.
Disfarço a dor grande demais
para se despudorar por aí.
Disfarço a alegria boba que me revela
a indiscretos olhos.
A todo momento, refugio-me nas palavras.
Meus olhos,
ao percorrê-las em amoroso encontro,
semelham água de rio
que levando o viver para longe,
permitem contemplar o esquecimento.
As palavras são macias.
Mesmo quando saltam à garganta,
mesmo quando nos reviram
e fazem saltar os olhos virados em água,
ainda assim disfarçam a vida.
Escondo-me entre palavras.
Colho-as por aí em alheias searas
e luto para torná-las sementes
em meu parco e árido chão.
Aqueço-as, tentando que se acomodem
conforme minha vontade
e se refaçam aqui,
como flores de perfumar
e trazer um secreto sorriso
a quem indefesamente as leiam.
Inútil.
Onde deveriam nascer flores,
brotam máscaras sem beleza, sem perfume.
Escondo-me entre palavras.

Imagem: Antônio Sem

terça-feira, maio 15, 2007

Dor



Às vezes, gostaria de ter um colo para me aninhar
e fechar os olhos para o mundo por algum tempo.
Ao mesmo tempo,
sei que sofrer é tão comum e tão fácil.
Difícil é ser feliz.
(por que as dores nunca acabam?)

Imagem: Da Vinci

segunda-feira, maio 14, 2007

Vermelho

Hoje é dia de vestir vermelho e disfarçar a dor.
Saio, aventureira, fingindo ser flor em volta do sol.
Procuro o verso, o verbo,
um jeito de ser, de dizer, de me dizer.
Procuro um rosto, um apelo,
um olhar para além da minha pele.
Procuro algo que me faça sorrir.
Encontro poeiras, névoas (estarei cega?).
De que são feitas as manhãs que percorro,
vestida de feliz?
Engano o olhar para ver o que quero. O belo.
Mas não há novidades.
A manhã é feita de retalhos de sol e sonhos.
Vago, vida em vermelho, vou recolhendo esses pedaços
de sonho espalhados pelas calçadas matutinas.
Deles talvez, um verso, um dizer (inútil ou tosco),
dessas manhãs em que me busco.


Imagem: Jane Bellows

Vá ao lindo blog do Leo para ler um poeminha meu.

sábado, maio 12, 2007

A MÃE

E esse menino que não chega, meu Deus! A violência... e o feijão? Está duro. Ela vai reclamar. É tão enjoada para comer. Estou cansada de filhos, são muito exigentes. Vou fazer salada de feijão, todos irão gostar. Finjo que foi de propósito. Essa menina precisa de saladas, está 100 gr acima do peso. E não é que ela colocou um piercing? Como pode, minha filha, mutilar assim o seu corpo tão perfeito? Mas a tatuagem (argh!) ficou tão linda! Queria me sentar ali fora com os cachorros, mas esses traidores estão adulando a menina. Já terminou de ler o livro da Marguerite? Não?! O que anda fazendo afinal o dia inteiro? Saia desse computador, por favor. Vá tomar sorvete. Não, sorvete não, que sua garganta não anda boa. Que vontade de namorar, meu Deus! Esses meninos namoram o tempo todo. Por que eu não posso? Porque sou velha, ai, ai. Não senhora, não leve meu disco para a casa da Andréia. Esse brinco? Comprei em Floripa, não é lindo? Emprestar? Não. Pode ficar, é seu. Moto?? Nem pensar, tenho horror a motos. Por que ele não me beija? Será que eu ensinei a beijar? Filha, eu a ensinei a me beijar? Não? É, estava ocupada corrigindo provas ou... fazendo provas. Tem razão. Então, agora, por favor, ensine a mamãe a beijar. Está com febre, não vai sair hoje de jeito nenhum. Jantar? Estou com preguiça, vou escrever. Ai, tá bom. Já vai? Onde? Vai se casar? Meu Deus do céu, já? E eu nem vi que você cresceu. Mas, eu amo todos do mesmo jeito, não reclamem. Sou uma mulher antes de ser mãe, certo? Tenho meus direitos. E a febre? Como vai assim? Como eles se vão todos e fica só o eco de suas risadas entre as paredes, ecos, ecos. Pare de sujar as paredes, menino. Que coisa mais triste essas paredes limpíssimas e o silêncio desta casa. Ah! não me importo. Nem estou chorando. É o frio. Está frio, meus filhos. Levem seus casacos. E voltem sempre para me aquecer com o amor bagunceiro e barulhento de vocês.

Mães, minhas amigas mães
e aquelas que ainda serão,
parabéns.
As flores são para vocês.

Imagem: Spencer Jones

sexta-feira, maio 11, 2007

Jamais

Não sei se é de verdade,
não sei se existe.
Só sei que saio em busca de você
e sonho e se por vezes, o encontro,
caio em mudez,
como um palhaço sem criança
ou o dia quando o sol que não vem.
E não me vê, nunca me vê.
Somos só uma ausência,
um que se deixa,
outro que se vai
e a eterna angústia
de não sermos
nada mais que a certeza
do que não vai existir,
não mais.

Imagem: Monet

segunda-feira, maio 07, 2007

APRENDIZADO

Por que me ensinou os sonhos?
Agora acordo em deliqüescências e minhas mãos se querem pássaros
em sobrevôo de matas.
Agora, ando em segredos, em fábulas e aceito logros dos meus ouvidos,
tontos de sussurros.
Pérfido! Enredou-me em suas margens,
tomou-me em enchentes e desvendou suas raízes inesperadas onde me prendo em langor de flores a se deixar levar,
indo, indo, para sempre presa.
Pólipo! Não me solte, antes, espalhe em meu corpo seu líquido amor.
Maná, meu mar e seus abismos onde tudo se resume e explode em outros mundos.
Por que retirou minhas vendas?
Agora, pés nus, acorrentada para sempre em seus rochedos,
sereia às avessas, encanto-me com o líquido sal de um cavalo-marinho,
delicadamente a me contar dos pélagos e tramas que em mim desvenda.
No seu querer mais obscuro, criou em meu ventre um quebra-nozes, um quebra-mar e me ensinou a esperar a noite com a sede dos perdidos.
Por que me ensinou a noite?
Esqueço o sol e conto as horas. Dias mais longos que a vida.
Conto seus dedos e as canções que inventa em meu umbigo.
Ai, Deus, esses estribilhos!
Noite, noite e seus carinhos a obscurecer meus sentidos.
Curvo-me e os espelhos nos refletem e a noite
e dentro dela uns ais.

Imagem: Cherikov

sábado, maio 05, 2007

Manhãs


"Bom dia, tristeza (...)
você veio hoje me ver"
Vinícius de Moraes

Às vezes, fico triste, mas é leve.
Sempre digo que sou quase feliz.
Se alguma dor insiste ou, se não sei o que faço com minha paixão sem rumo,
saio pela manhã que ainda dorme e procuro minúcias de orvalho nas calçadas.
Distraio-me de toda solidão com o frio da manhã, menor que o meu próprio frio.
Eriça-me a pele. Não é coisa de vento matutino (leve, também).
São as lembranças que atravessaram a noite e caminham comigo.
Ando enamorada e as madrugadas acolhem meus desejos,
ampliam e os derramam pelo dia ainda por nascer.
Vou ficar alegre logo depois das dez, prometo.

Imagem: Hugo Amor Reis

quarta-feira, maio 02, 2007

O meu jeito de amar


"Erótica é a alma"
Adélia Prado


Já não repito cem vezes que o amo,
nem preciso de beijos de longa duração.
Falo do meu amor neste olhar cheio de luzes e desejos.
A você, entrego minhas mãos quentes ainda da última carícia, para que sejam seu alento e seu descanso.
Eu o amo em orações de proteger e afastar as possíveis dores diárias para que ande pelo mundo com passo de criança descuidada e feliz de tão amada.
Digo que o amo com outras vozes e palavras de amar das suas músicas
que escolho para afugentar seu cansaço.
Digo que o amo quando me jogo em seus braços e,
desfazendo a ausência, você chega e me olha
com jeito de menino e o aroma da distância.
Sinto que o amo (você sente também)
ao acolher seus sonhos e emprestar meu coração
para o acalanto que todo sonho novinho
necessita para sair e ser.
Afirmo o meu amor todos os dias
com o meu corpo cheiroso, minha alma rendida
e meus pés tocando os seus
em nosso adormecer de apaixonados.

Imagem: Klimt


terça-feira, maio 01, 2007

Passeando



Hoje estou aqui. Vá me visitar.