quarta-feira, junho 28, 2006

Costumes


Ele me deixou mal acostumada.
Vinha sempre e o sol chegava em seus olhos.
Trazia ruídos de risos e derramava beijos
não só em mim. Flores, felizardas, também eram beijadas. Depois se jogava no velho sofá verde e bambo dos nossos amores. Menino e anjo, era vento em meus cabelos e se deitava, dengoso em meu colo.
Mas, como no inverno, um dia o sol se foi e fiquei aqui, esperando seu riso.
O único abraço que recebo é das lembranças.
O único ruído, eco da saudade.
O sofá verde se desmanchou, cansado de esperar o amor que acabou.
Quem sabe, eu compre um sofá amarelo-esperança e o sol retorne?

Imagem: Monet

domingo, junho 25, 2006

A falta do amor


Estou vendo os poetas sofrendo pelo amor perdido.
À distância, ouço seus lamentos noturnos.
Choro suas lágrimas, ao ler tantas mágoas
em versos que machucam.
Em minhas noites insones lembro-me da solidão
dessas almas feridas pela saudade e pela dor.
Nada posso fazer.
Também choro minha solidão, também vivo,
de lamento em lamento, em busca do meu amor.
Mas não choro o amor perdido.
Peço que o amor me encontre e tome
minha vida como chuva de verão ou tempestade, não importa.
Quero o amor de qualquer jeito,
porque sem ele, vive-se à margem da vida,
os dias perdem a cor da espera e da surpresa
e as noites nunca terminam.

Imagem: Nicoletta

sábado, junho 24, 2006

Serenata


Se a copa do mundo não acabar logo, eu acabo antes. Sou daquelas fanáticas que gritam e pulam. E pular é justamente o que não devo fazer. Mas, como? E, surpresa agradabilíssima (ou não, como diria Caetano), o jogo final da copa será no dia do meu aniversário. Então, ai, ai, pode ser de tristeza ou de dupla comemoração.

Falando em aniversário, lembrei-me de uma serenata que ganhei de presente. Não, não foi do Fernando, meu primeiro namorado. Foi de amigos meus que se deram ao trabalho de ficar meses investigando as músicas que gosto, perguntando diretamente a mim, sem que eu percebesse. Mas, quem me conhece sabe que ando sempre no mundo da lua.

Foi tão lindo, tão perfeito que depois que se foram, fiquei sentada lá fora, sem sentir o frio da madrugada, presa de um encanto, de um contentamento maiores que a noite e suas estrelas.

Há presentes inesquecíveis, como essa serenata, ou um poema que alguém escreveu só para mim, ou as flores que nunca chegam a não ser aquelas que me dou sempre que estou triste.

Lembrar dessas enormes felicidades é outro presente.

Imagem: Jean-Antoine Watteau

quarta-feira, junho 21, 2006

Eu nada queria


Não pedi nada, apenas um amar tranqüilo e o risos compartilhados em madrugadas de paixão.
Nada pedi além de prosaicos bancos de jardim
e beijos sem alarde.
Não queria nada, senão seu delírio em murmúrios.
Não quis sonhos, não pedi amor.
Só a carícia doce dos seus cabelos em meus seios.
Não quis paixões, nem pedi sendas para sua alma.
E ainda assim, você se foi, deixando apenas o sabor de fim
e mais lágrimas em meu rosto já cansado.

terça-feira, junho 20, 2006

Não sou poeta


Não sou poeta, não finjo a minha dor.
Sofro-a integralmente, com todas as lágrimas e o ranger de dentes nas madrugadas.
Mas o dia nasce e a vida não permite que se sofra demasiado.
Não há tempo para essas sensibilidades. Não há mais tempo para aprofundar melancolias.
O que há são as horas mínimas e a gigantesca tarefa de sobreviver.
Enquanto isso, as dores reais se transformam em lágrimas inesperadas meio a contragosto e, cada vez mais, em mortes súbitas.

Imagem: Steves M

sexta-feira, junho 16, 2006

A sua presença


Quando você não vem, os dias são de confusão e tristeza.
Desarvorada com a falta dos seus beijos,
esqueço o sabor da comida.
Nua dos seus desejos, ando em torno de tudo
sem ver ou ouvir, estrela morta.

Se chega, meu amor, troca o frio pela primavera em meus olhos e brilho em você, pirlimpimpim e púrpura.
Se chega, lustres brilham em meus seios e quero imediatamente
me jogar com você nos atalhos da nossa noite florescente.
Se chega, todas as músicas fazem sentido e os delírios são absolutos,
na certeza de seu amor açodado e urgente.
Quando chega, anjo devasso e langoroso, toma o mundo e me entrega
em seus beijos.

Imagem: John Galbo

quarta-feira, junho 14, 2006

Saudade


Depois de pular e gritar como desvairada, ontem durante o jogo, estou rouca e com dores nos pés (ai, ai). E nem podia, claro, porque meu pé ainda não está inteiramente bom para tais travessuras. Usei tênis (argh! Detesto).
Falando nisso, lembrei-me de um alguém antigo que me disse assim:

"seus pés não foram efeitos para ficar escondidos em tênis ou sapatos
e sim para se exibir em sandálias e encantar todos que passam".

Claro que o encanto foi meu, com esse elogio delicado.
Então, me deu uma saudade danada de novamente ser assim encantada.


Imagem: Ven Vertloh

segunda-feira, junho 12, 2006

Dia dos namorados


Sonhei com um namorado que chegou hoje com as flores que gosto e risos abrindo minhas cortinas.
A música que trouxe é allegro para inaugurar o dia em meu rosto. Suas mãos são suaves e sábias e lêem meus segredos lentamente. Trouxe uma carta de amor. Em letras vermelhas, escreveu eu te amo. “Meu coração nada mais quer”, além dessas delicadezas. Hoje, sonhei com um namorado e, embora sonho, acordei feliz.

Imagem: Cristina Carriconde

sábado, junho 10, 2006

Doce armadilha


A noite finalmente foi de tranquilidade com sinfonia de Liszt e algumas estrelas. Sentada lá fora, com minha música, meus cachorros e minha paz fiquei pensando, meio sonhadora, no amor e suas belezas, e suas crueldades. Sim, o amor é um menino caprichoso. Ele dá o enleio, o prazer e essa vontade de se entregar ao outro, refém de dengos. Depois toma tudo e devolve o vazio.
O amor é uma doce armadilha que se abre quando não queremos e nos deixa assim, soltos, bobos, sem nada e sem chão.
Mesmo assim, eu quero o amor feitiço, o amor noturno, o amor menino, ainda que cruel. Quero ver o amor nos olhos de alguém que virá brevíssimo com uma aurora na boca e segredos nas mãos.

Imagem: Lionel Noel Royer

quinta-feira, junho 08, 2006

Desilusão


Hoje saí novamente pela manhã e o frio estava dentro de mim.
Tentei me alegrar com essas belezas só percebidas quando as ruas estão desertas e o silêncio é o amigo ao lado. Em vão. A noite ainda está em mim. E eu que jurei esquecer as dores e só olhar para luz. Mas, faltam-me as gentilezas dos amantes e os beijos dos apaixonados. Falta-me um cérebro desnorteado de paixão, condição para minha alegria. E, como na música, “disfarçar minha dor, já não consigo”. Ando pela manhã e choro molhando as ruas com minha desilusão. Só.

domingo, junho 04, 2006

Namorado


Nesses dias, não há como fugir, se tudo e todos só falam em namorados. Eu já falei no meu primeiro namorado, o Fernando, lindo e cheio de melodias.
Falei no primeiro porque não há nenhum último. Aliás, no último geralmente não se fala porque dói demais, de ressentimento ou de doer de saudade.
Quem não tem namorado é triste, não adianta negar.
O namorado traz flores e acha lindo quando acordamos pela manhã, com os olhos inchados. Só o namorado.
Hoje em dia, muitos são solitários, assim como eu sou.
E eu creio que é por falta de namoro e de todas aquelas bobagens que só os namorados têm o privilégio de gozar: a manhã juntos, a saudade de um dia inteiro, o telefone mudo, os desencontros à tarde e lágrimas bobas e beijos molhados e depois à noite, colo, risos e beijinhos por toda parte, quase coisa de criança, mas que todos os namorados, de todas as idades experimentam.
Pra mim, namorar é viver em constante estado de delícias porque há a expectativa e a concretização delas. A espera e a vinda. Os beijos, as flores e o amor sem mais nada.
Namorar é isso, eu acho.

Imagem: Pierre-August Cot

sexta-feira, junho 02, 2006

Passional


Gostaria de ter nascido argentina, com uma alma perigosamente passional.
Então faria o que meu coração e meu corpo ordenam, sem dúvidas ou hesitação.
Deixaria o que há ao meu redor e que já não tem sentido.
Iria ao seu encontro, viver desmesuradamente,
até nos esgotarmos de nós mesmos.
Que durasse algumas horas ou séculos.
Que nos reencontrássemos em outros universos.
Que fluíssemos por uns poucos minutos apenas.
Nada disso tem importância. Tudo é nada. Só você é tudo.
Mas, minha pobre alma é tímida.
Não obedece ao meu coração e muito menos ao meu corpo.
Por isso, fico aqui, vivendo do sonho de um dia encontrá-lo.
Por isso, essa ânsia em meu corpo, nos meus gestos.
Por isso, esse frenesi, essa eletricidade em torno de mim.
Por isso, essa doce tortura revivida a cada dia,
de ter não tendo, de sentir sem tocar, de amar sem ver.
Por isso, sou uma fênix a cada noite em seus braços, em suas pernas, em sua boca, em seu corpo. Por isso, meu amor aumenta de segundo a segundo, areia na ampulheta inexorável do tempo.

Imagem: Tina Chaden