sexta-feira, agosto 31, 2007

O que me dói


Não é seu adeus o que me dói.
Antes, a certeza súbita do que não mais terei e a saudade que já pressinto na ponta dos dedos, no dobrar dos dias que se fará em longa, inexorável noite.

O que me dói é o silêncio que tomará as paredes, de agora em diante duras, só tijolos e desbotadas tintas. Nelas, seu cheiro não mais será o aceso dos meus sentidos.

O silêncio, meu amor, é o muro que me cercará, pois que me dói qualquer música. Qualquer canto de passarinho me fará chorar.

O que dói em meus olhos não é esse mar incontido, prestes a arrebentar. São essas flores inúteis, de ilusório frescor, pois que já sentem em que água se molharão.

O que mais dói é o nunca mais e essa calmaria como se meus braços fossem de mortos e as asas que me deu fossem, agora, pedras que me impedem de voar.

(Seu adeus encheu de deserto meus olhos).

Imagem: Arthur Hacker

quarta-feira, agosto 29, 2007

Carrossel

Ando livre, ando livre
feito criança no carrossel.
Pedaços de azul me cobrem os olhos
e a alma, esquecida da escuridão,
pula pontes, para se deitar no verde
do mais proibido quintal
e seus frutos, que não provei, mas já sei
os mais doces do mundo.

Ando livre, ando leve
feito asa do meu anjo
que se deita em mim, tão breve
e leva entre os cabelos, meus medos
para espalhá-los lá longe.

Ando livre, ando livre
como cavalos soltos do carrossel
e, como eles, sonho, o mais avassalador
dos sonhos,
voar até o céu, que está bem ali
nos braços do meu amor.

Imagem: Marc Chagall

sábado, agosto 25, 2007

Langor


E renasço, enfim.
Na dança dos seus braços
no seu peito em descompasso,
nos sôfregos acordes em stacatto,
no caminho que rabisco preguiçosa,
em suas costas,
desenho de langor, abraço.
Enfim, meu corpo no seu,
lasso.

Imagem: François Boucher

quarta-feira, agosto 22, 2007

Seu adeus


meu rosto no teu travesseiro
é o que resta de toda tentativa de amar.
faltos de tuas mãos de os arrancar,
(ah! meu vento...)
meus vestidos amarelam, perdem a tom, a chama.

meu rosto, minhas lágrimas
todas as bobagens que guardei
os brincos vermelhos, os beijos vermelhos...

para que tanta cor, se de ti, só cinzas
e o eco do adeus que disseste
indiferente a quem te ama?

Imagem: Tamara de Lempicka

terça-feira, agosto 21, 2007

Na terra como no céu



Hoje, estou no blog do Leo, esperando sua visita.

Imagem: DeMorgan


sábado, agosto 18, 2007

Confissão

Confesso que queria o amor.

Todas as insônias, as reticências
e minha voz calada,
todos as músicas de amor e as palavras girando,
todo o mar, os cais invisíveis,
essa cegueira de nada mais ver,
a falsa mansidão das minhas mãos sem pouso,
as paredes que desmanchei,
a fome, a mancha, o mofo, a morte,
todas as noites que inventei
e todo dia reabrir as bicas, acender o fogo, o suor,
são o desaguar do meu amor,
esse lobo faminto, sozinho.

Por não ser, o amor me nega.
Por se negar, o amor me desfaz.

Eu queria ser feliz
e a ausência do amor não deixa.

Imagem: Nicoletta

terça-feira, agosto 14, 2007

Guardados


Recolhi suas lembranças, as memórias do nosso amor.
As horas guardei. Quem me dera todas elas, em volta constante, mas o tempo já passou, já levou nossos momentos.

Agora, ficaram as eternidades e estas são lentas senhoras que só se vão a muito custo. A eternidade da solidão, a eternidade das madrugadas e entre todas, a mais permanente: a saudade.

Guardei seu olhar de nuvem, de quem só contempla horizontes (e os via em mim, quando o amor não era essa ausência). Guardei o calor da sua voz, uma quentura boa de paixão que afastou todos os invernos abrigados em mim.

Nem sabe, amor. Eu, que antes tremia ao seu convite, à sua perdição em meus labirintos, hoje sou trêmula folha, tonta de tanto vento frio nos vazios que deixou.

Recolhi todos os fragmentos de felicidade, bolhas de sabão que espalhava pelos meus dias. Guardei esses pedaços de ilusão dentro a alma, meu espelho mais colorido, onde vive a esperança. Quem sabe, um dia, quando também sentir frio e estiver cercado de eternidades, volte para se mirar, quem sabe...

Imagem: Frank Dicksee

terça-feira, agosto 07, 2007

Ensina-me

Como enganar os dias solitários
e a alma árida?
A lembrança do que não foi,
como um filme interrompido após os letreiros iniciais?

Como enganar a vontade dos beijos
que inventavam saudades para mais tarde
e de que nem sei o sabor?

Como enganar essa dor
dos signos não desenhados,
de não ver o chão que queríamos marcar com nossas palavras?
Tudo areia, tudo. O mar levou.

Como enganar as mãos ansiosas pelo
corpo de moldar em angústia de paixão
e detê-las antes do gesto inútil,
do gesto sem lugar, sem porto, sem corpo de tocar?

Como enganar meus sonhos, se
"você é a palavra única que ando pronunciando"?

Ensina-me onde me esconder da saudade,
se não tenho braços de me acolher?

Imagem: Daeni Pino

domingo, agosto 05, 2007

Cinzas


Agora que a promessa se desfez,
agora que o amor se cansou de continuar,
o que haverá de meu no seu coração?
Guarda, quem sabe, minha voz?
Guarda o vermelho da flor feminina,
guarda do mar, o sal que encontrou?
Se não, onde estão?
Perderam-se talvez,
sob ecos noturnos de outras paixões.

De seu, meu coração guarda as canções
que sempre afirmava nossas
(havia uma para cada momento de ternura, lembra-se?)
De você, guardo a agonia delicada
de suas mãos que nunca me deixavam,
"meu brinquedo",
"minha boneca de pele de louça",
palavras suas, que agora são minhas,
guardadas, desenhadas em minhas lembranças
como rabiscos coloridos de criança feliz.

Você nem se lembra,
mas não se preocupe.
Quando a vida doer à falta de alguma ternura,
poderei contar de cada dia e cada desvairada noite
e tudo, espero, provocará apenas um sorriso,
uma saudade morna, desbotada pelas "cinzas das horas".

Mas não sofra logo, não venha logo em busca do que deixou.
Por enquanto, ainda sou vela solitária.
Por enquanto, ainda a saudade é brasa queimando
nas cinzas desse amor.

Imagem: Shirely Novak

sexta-feira, agosto 03, 2007

Desamparo


Para além das horas cinzentas, vejo a vida passando,
o rio que nunca volta,
levando seixos, deixando as mais pesadas pedras.
Ando cansada deste peso, do mudo passar dos dias
"sem paz, sem amor, sem teto..."
Nem um bolero ou flores me alcançam.
Neste rio que indiferente, passa,
forte, o vento, de dentro, cobre a tenra cor das flores
e leva a música para outro mundo mais feliz.
Já me fingi de atriz e encenei dentro de outra cena
as horas alegres, as dores suaves e algum amor.
Triste espetáculo, sem coro, sem platéia. Desisti.
Hoje, vivo meus próprios dias, as horas vazias, as noites sem fim.
E arranco pedaços. Arranco pedaços de mim.
Quem sabe assim, de naco em naco,
diminua a solidão, cortando-a, em sangue,
em dor, em transe, até o fim.

Imagem: Jonh Henri Fuseli

quarta-feira, agosto 01, 2007

Madrugada

Um violão abraçado em abismo de rosas,
dilema das mãos, mal sabem onde estão
mas sabem do som que o amor abriga,
sabem se só dilermando?
ou são as minhas,
que descansam nesta madrugada
de nós dois,
ou três ou mil amantes
tão frágeis na rua,
e a lua, rindo dessas neblinas
que a cobrem.
quem repousa em meu corpo?
o violão, d'accord, d'accord
carrilhões, outros sons,
já é madrugada,
mata-me de amor.

Imagem: Diego Roberto