domingo, setembro 30, 2007

À sua espera


Invento os dias e já deles vivo,
ainda que se demorem
para minha tão grande pressa.
O amor é já minha premência,
meu abandono e a saudade do que virá e
meus olhos intentam enxergar
no recôndito deserto dessa solidão.
E já tudo acontece
e me transformo em cais urgente,
em rumor de primavera, seiva fremente
à sua espera,
sombra do amor que a tudo transfigura,
ainda que habite em névoas,
em tudo que só existe em meus sonhos.

Imagem: Carl Holsoe

quinta-feira, setembro 27, 2007

Amanhecer


O sol às voltas com seu forno,
dourando o dia para servi-lo quente
e eu ainda em minhas penumbras,
envolta em você.
Não sei se é sonho,
ou se bordo em meus lençóis
seu corpo de fogo
dourando a manhã já posta
na mesa do café.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Eu e você


era uma chuva fora da hora
eu e você sob aquele frio,
descobrindo um jeito de desfazer os nós
de toda primeira vez.
de repente,
uma flor caiu do meu vestido.
tímidos por algum átimo,
mal percebemos o feitiço,
até que, menino, em extrema delicadeza,
você descobriu meu corpo.
era uma primavera
eu e você,
eu e você...
e a flor que caiu do meu vestido.

Imagem: Christine Zalewski

domingo, setembro 23, 2007

Sem modos

"teu íntimo sentir floresce em minha boca..."
Unamuno


O amor chegou qual um raio, riscando o céu (de cegar) e meu corpo mudou, flutua agora, apesar de ar faltar a todo minuto, à menor lembrança do meu amado.

Agora, sou apenas os meus sentidos, o tato, a pele em fogo e devaneios. A primavera me entra pelo corpo, polens, planuras coloridas, sonhos de Monet, mil picadas de abelhas formigam em mim, eu flor, colorida de amor, em mim já posso sentir as tépidas mãos que me irão desfazer, pétala a pétala.

Abertos todos os céus, neles passeio, tomando para mim, estrelas, reivindicando a lua e suas serenatas e os gatos cantando em dueto nos becos. Não disse que me perco, que devaneio? É a loucura de quem ama.

(Meu corpo já se abre feito girassóis, em prelúdio de carícias).

Não quero lençóis, quero a canícula do meio dia que ele trará, mesmo que venha de madrugada. Quero a impudicícia do sangue aquecido até a dor, ventura, quentura boa de quem ama assim como amo. Não quero os planos, quero que me olhe como olha o mar, com sal na boca e o horizonte nos olhos.

Não quero leitos, quero flores e beijos e tudo o que meu amor sabe trazer, carta de amor no bolso e um rosto alegre e belo, bárbaro dono do que sou, dúplice sonho, minha água de aumentar a sede, Zeus meu e suas plumas.

Imagem: Richard Cosway

sexta-feira, setembro 21, 2007

Vieste


Ao teu amor fui destinada, agora sei.
De tanto o ter vivido,
em sonhos, em notívagos monólogos,
sei de tuas pegadas, sei das madrugadas
feitas de te esperar.
Chamei teu nome nas ruas,
em murmúrios, é verdade.
O ruído de te esperar
era um grito dentro de mim.
Vieste, enfim vieste.
Mal sei ouvir
a confidencial música que sussurras.
Jardineiro dos meus sonhos,
me ensine sobre esse amanhecer.

Imagem: Chagall

segunda-feira, setembro 17, 2007

De amor, não sabia...

E eu que imaginei saber do amor, o aroma, nada sabia de comunhão e profanos desejos.
Apenas, de longe, sentia esse arder que agora envolve meus sentidos
e a garganta que se tranca quando quer cantar.
O que sabia eu da ternura quente que faz dançar meus braços,
adiantando-se à tua chegada?
Nada, meu amor, nada.
Desconhecia esse desespero de saudade que adormece os relógios
e me submerge em agonias de espera.
Os sabores que guardo na boca, todos novos, mal os seguro,
nesta nova ânsia
de que venhas prová-los.
Meu canto, amor, só tem uma palavra:
o teu nome, em chamado de urgências.
Procuro teu cheiro nas flores que amo, nos livros, nas pedras.
Procuro-te nas noites e só em sonhos, encontro o beijo
que me desfaz em rosa cálida para sua boca
e deixa minha alma amarfanhada de noturnos e doces enleios.
E eu, que imaginei ter conhecido o amor!

Imagem: Rossetti

sexta-feira, setembro 14, 2007

Acalanto

Um poeta me falou do amor
e de ventos e sonhos,
perfumou meu coração com suas palavras.
Veio com as mãos prenhes de girassóis e
abriu a noite em que me encerro
em amarelos ardis de encantamento.
Refez as madrugadas que eu havia esquecido
e as estrelas se vestiram de bailarinas.
Brilham além da luz,
brilham nos meus braços
e acendem minhas mãos,
o único pedaço de mim que dormia
e agora, coloridas de vida, ensaiam carinhos.

Um poeta me falou do amor
e não mais anoiteço.
Agora, adormeço no colo das suas palavras

Imagem: Ona

quarta-feira, setembro 12, 2007

QUERER-TE

Querer-te é um vôo em que me lanço,
como ave de curta vida
indo de encontro ao rochedo.
Sou frágil para tanto amor
e ainda assim, vou,
busco de livre vontade os tormentos,
as tormentas do amor, esse insaciável tirano.

Querer-te é um vento a que me entrego,
andando da terra para o mar, a levar
os perfumes, o pó do tempo.
E o tempo nada pode para tanto amor.

Querer-te é voltar sempre os olhos para trás
e chorar a lágrima azul
que em meus olhos deixaste.
Azul do mar que não cessa de crescer entre nós.

Querer-te é esse lamento de rio nas pedras,
esse subterrâneo domar da realidade,
esse imaginar, como se existisse
a rosa, o arco-íris e sua promessa de felicidade.


domingo, setembro 09, 2007

Meu amor

Meu amor hoje vive em gavetas,
sob a poeira dos dias solitários,
guardado em palavras não ditas,
desoladas palavras que só falam de saudade.
Meu amor, tão delicado, anda perdido
entre pedaços de lembranças do tempo
em que eu era feliz.
Mal se ergue.
Falta-lhe o alimento de outras palavras.
Falta-lhe o ar dos carinhos divididos.
Meu amor é espelho de uma só imagem
e só vive,
vive só em mim.

Imagem: Veronique Mansart

terça-feira, setembro 04, 2007

Fera

"o amor zomba dos anos."
Tom Zé


Sim, amigo.
cometi a loucura de amar.

Não repudie a palavra.
É loucura, o meu amor,
um dançar de página de livro aberto
que antecipa enredos, desfaz a lógica.

Não se assuste, o amor não morde
senão a quem o guarda em si,
fera a hesitar no escuro,
que se amansa ao ínfimo olhar
de quem se ama.

Amo.
E o que importa,
se meu amor e suas marcas
ficam somente em mim?

Imagem: Francine Von Hove

domingo, setembro 02, 2007

Ilusões



A todas as ilusões me entrego.
Se não há amor, invento.
Vivo de verso em verso
como se amando pela vida andasse.

Engano-me?
Sim.
De que mais viveria
senão dessa agonia?

Dói?
Sim.
Muito mais doeria
carregar em minha mão
a flor morta da solidão.





Imagem: Jonh Willian Waterhouse