sexta-feira, março 30, 2007

Louca?

Dizem que ando aérea,
que em devaneios passo os dias,
alada e perdida qual louca libélula,
e que meus pés não encontram o chão.
Dizem que escrevo em espelhos
um estranho dialeto, desenho e cor.
Dizem das horas que perco e
das canções sem nexo,
palavras soltas, puro delirar.

Não sabem os outros
do meu amor e seus tons
de me fazer corar,
de me fazer cantar.
Não sabem do meu amor,
ou da doce agonia a me enfeitiçar.

São eles os loucos.


Imagem: Jennifer Golderberger

Hoje é sábado e tem um poemínimo lá no blog do Leo. Que tal você ler?

quarta-feira, março 28, 2007

Cinzas

A tristeza molha meus ossos.
na casa sem poesia, choro à porta.
antes, tanto de belo existia.
agora, nada tem cor.
tudo murcha como meus sonhos.
uma ferida sangra lentamente sobre
o tapete onde alguém escreveu bem vindo,
em longas maiúsculas.
sinto dizer, ninguém chega,
tudo limpo,
tudo som de lamento,
tudo metade.
espelhos sem reflexo,
perdida minha festa.
Por quê?
o horizonte é morto
e o que me resta é o verso tosco
e a mesma vontade de me exilar em você.


Imagem: Van Gogh

segunda-feira, março 26, 2007

Lembranças


Em meu caderno de lembranças,
seu nome é o primeiro escrito.
E o segundo e o último.

Às vezes, enorme, como um grito.
Às vezes, mero esboço,
nas horas que tentei esquecer
que não se ama impunemente,
eu um tanto nuvem de chuva forte.

Agora, já não choro.
Contento-me rabiscando seu nome
dentro de corações, como menina antiga que sou.

As lembranças estão por aqui escritas,
em versos de boba alegre
ou lamentos de loba sozinha,
guardo-as em mim, outra pele,
teia de dor
laço do meu amor.

Imagem: Oskar Koller

sábado, março 24, 2007

CANTIGA

Canto o meu amor no céu da boca
canto-o, melodia de ausências
e minha voz pequena não alcança seu destino.

Ando por aí, canto com os pássaros,
falo às árvores
pedindo para avisá-lo do meu grande amor
e da saudade que não emudece.

As estrelas já me conhecem e se enfadam
da mesma cantiga todas as noites
e lá de longe, frias, parecem me dizer:
- Esquece.
Hoje tem poema novo lá no lindo blog do Léo. Quer ler?

Imagem: João Martins Pereira

quinta-feira, março 22, 2007

O meu e o seu amor


Para você, quisera ser flor, alguma rosa, orquídea
ou qualquer anônima cor e enfeitar os dias
com a fragilidade do sonhos.
Entretanto, as flores se vão como um suspiro
e o meu amor é mais forte.

É água de beber, é sede.
Não é nascente a secar. Antes, seiva, perene.

Mais dentro de mim que qualquer sangue,
meu amor é inundação
e abre portas e arranca a roupa e marca a pele.
Meu amor, largo rio de molhar, constante e revolto,
precisa do seu afluir.
Seu amor, meu alimento, minha fonte, meu porto.

Imagem: Graeme Harris

terça-feira, março 20, 2007

TUA CHEGADA

Para tua chegada, está tudo pronto.
No fogo aceso, fervem maçãs e mel.
Fervo também,
inventando palavras de te prender.

Tudo aqui é burburinho.
Os lençóis murmuram perfumes,
as flores dançam
e alongam lânguidos pescoços pelas janelas, curiosas de tua chegada.

Os relógios, na ânsia de apressar-te, simulam quietudes.

Nas cortinas, amarelam girassóis
e dançam, ensaiando passos de outra dança
depois de perdida a razão.

Taças transluzem sobre a mesa.
Delas, beberemos, em celebração ao nosso amor para sempre.
O tempo é o único que parece imóvel.
Está tudo pronto, não demore.
Não espere a vida se cansar.

Imagem: Stephen Darbishire

domingo, março 18, 2007

Mal

Amar pode ser assim uma dor,
quando a distância é maior que o amor
e as palavras ferem quando deviam servir.
Amar não deveria doer.
Amar podia ser só cor e riso,
mas isso só na poesia.
Ela, no entanto, mais profundamente,
revela os transes de quem adoece de amor.
Não, amar é só dor e não devia,
se a voz do amado é melodia
e seus olhos, em brilhos, contam de todo encanto.
Que adianta tanto, se amar é dor
quando estamos distantes do nosso amor?

Imagem: Alfred Gockel

sexta-feira, março 16, 2007

Para amanhã

"A vida vem em ondas, como o mar."
Vinícius de Moraes


Para amanhã, quero muito sol
e acordar com flores.
Para amanhã, quero um anjo amante da cor delas
e talvez me desarrume a alma, barulhando um riozinho de carícias
só para meus sentidos.
Para amanhã quero deixar as sombras e passear,
borboleta aqui e ali,
quem sabe, abelha e seu ofício de mel.
Para amanhã, sorvete de manga e maravilhas vindas do mar,
marítimos beijos, de sol, de sal.
Para amanhã, quero todos os sábados do calendário
a continuar sendo interminavelmente, para sempre sábado,
para sempre meu.
Para amanhã, descalços meus pés no chão, alma no céu,
quero ser feliz.

UP DATE DO POST: Como recebi vários emails e um comentário sobre a autoria da frase em epígrafe, digo que ela é realmente um verso de Vinícius do poema "O dia da criação".

Imagem: Donna Geisller

quarta-feira, março 14, 2007

NOITE





Ontem, sentei-me ali fora, olhando o céu. Eu e meus cachorros.
Sempre faço isso quando estou triste.
A grandeza dele, aquelas estrelas lá, depois do mundo,
a lua depois daquele namoro de três horas com o sol,
tudo distrai minha fragilidade.
E assim, meio enluarada, penso no figurino que me esconde
em disfarces diários, máscaras de uma vida
que parece pertencer a outra pessoa.
Negativo da minha própria foto,
quase nada sei, quase nada faço.
Só sei procurar palavras e juntá-las assim,
desarrumadas, desgraciosas.
Nada brilha, exceto a noite.
Não sei cozinhar nem bordar, mal consigo dormir.
Só aprendi a ler o amor em certos olhos que nunca vejo.
Se não os vejo, como lê-los?
Vivo sem amor.
Olho a noite e seus silêncios aprofundam minha solidão,
agora que tudo é antes, é ido.
Agora padeço de fome, da grande fome do meu amor perdido.
Agora, só tenho o resto da noite
e as madrugadas intermináveis que abriga.

Imagem: David FN

Hoje tem um poema novinho lá no lindo blog do Léo.

segunda-feira, março 12, 2007

Parto

Não tenho história de amor para contar.
Ou talvez tenha várias, todas malogradas.
Ou variações do mesmo e insensato sonho?
Disse a um amigo que talvez o amor não seja coisa de humanos.
Talvez só os deuses e sua audácia consigam sofrer o amor e sobreviver.
Não incólumes. Isso, nem eles.

O amor precisa ser, para sempre, recém-nascido.
Se assim não for, morre.
Mas não morre como o resto das coisas morrem,
afastando-se lentamente da vida.

O amor não é uno.
E dele, sempre, só morre um pedaço.
O outro fica doendo, como um parto.
Ao partir, o amor exige outra vida, sem ele.
Só os deuses renascem assim.
(eu não sou deusa).




As flores? Quem me conhece sabe que são um presente que me dou, às vezes.


Imagem: Oskar Koller

sábado, março 10, 2007

DESPEDIDA



"Quem pode, na palavra - despedida,
prever que separação nos espera (...)?
Osip Mandelstam



Vou descendo a ladeira,
tropeçando em pedras que cortam.
Ao fim, a escuridão espera, dentro dela uma fera
e fecho meus olhos tentando fugir.
Já me perdi.
Perdidos os meus castelos,
procuro seus olhos que clareiam os meus.
Lembra-se do brilho que queria encontrar?
Onde está? Diga-me onde está.
Diga-me aonde vou se seus passos dobram a esquina
afastando-se dos meus pecados, dos medos que carrego
e da solidão
que sempre me faz perder os caminhos da sua chegada.
(em cinzas, tornou-se a rainha sem seu cavalheiro).

terça-feira, março 06, 2007

A MULHER


Uma mulher que é feita de música, luar e sentimento...
Vinícius de Moraes


A mulher é construção.
Um ser em busca da perfeição, da harmonia, do equilíbrio.

A mulher é renascimento.
Seus dias são de luta sobre os destroços do mundo que torna a fazer todas as manhãs, com voz doce e olhos de poesia.

A mulher é deusa.
Há nela todas as faces da Terra, seus contornos e recônditas florestas, seus vales e montanhas, seus poros e planícies, seus pêlos e sua quente umidade, berço e poço de prazer, cornucópia de frutos, doadora da vida, mãe de todas as vidas.

A mulher é musa.
Os poetas cantam interminavelmente sua beleza, o mistério do seu coração, a maciez da sua carne, os seus seios de nutrir e encantar e sua boca de sempre perdoar e dizer sim.

A mulher é o princípio, o meio e o fim
e tece a vida com a doação de sua beleza, com o sangue e as lágrimas e o mais imenso amor.

P. S. Estou viajando, mas tem poema novo no lindo blog do Léo.
Vá ver, por favor.

sábado, março 03, 2007

Tango

Cansei-me de filosofices, das fotos bonitas em revistas inúteis, de visões do paraíso, de mortes, fumaças e do universal bocejo dos políticos-cangurus.

Vou cuidar das minhas fomes com bombas de chocolates e beijos que ressoam no céu da boca.
(quero suculências).

Vou lamber minhas feridas com todas as portas abertas.
Vou cantar na noite e espantar os morcegos sonolentos do meu castelo de cartas.



Cansei-me do amor pela metade,
do amor diplomático,
do amor paz-e-amor.

Vou me perder de paixão, dentro de um tango
e me embebedar de absinto.
De amor, vou morrer todos os dias.
Quero a paixão,
a alma que se abre,
que toma, devora e recomeça.
Cansei-me de meios tons e penumbras.
Agora, tudo é vermelho e amarelo.
E preto e branco.
E vice-versa.


Imagem: Klimt

sexta-feira, março 02, 2007

VERSOS

Mulher de solidões, aprendi a esquecer o ruído das vozes, acostumei-me com o virar das folhas dos livros, ora fiéis, ora esquivos, como amantes.
Já sei como abandonar os sonhos que nunca serão melodia, feitiço ou pecado.
A única voz que me acompanha é a desses poetas que comigo passam as horas, não sei se vivos, não importa se mortos. Sei que choram quando choro e trazem outras solidões para acompanhar a minha.


Não há mais pássaros para ouvir cantar.
Não há mais palavras de amor ou cólera ou cantarolar entre minhas paredes.
Até o sol se esqueceu de aquecer minhas cortinas.
Nada me inferniza, nada me cega,
como o poeta cantou em sina de bem querer.
O querer é uma suavidade que passou pela rua em que vivo
sem parar à minha porta.

Já amei tanto. Já ganhei tantos presentes, mas nenhum futuro.
Vivi de impermanências até me cansar.
Hoje vivo dos versos alheios
que nada querem saber,
além de sua própria melodia
que canto bem alto para mim mesma.
Com eles faço festas.
Eu e eles.

Imagem: Magentas

Hoje tem um poema pequenino lá no blog do Léo. Vem ver.

quinta-feira, março 01, 2007

Fiquei só


Então, fiquei só.
Surda,
finalmente entendi as palavras de ir que andavam pela casa, mudando as cores, cerrando janelas
e se acumulando em mim.
Agora vejo os vazios que, de todos os cantos me acenavam com sua anunciada ausência.
Só. E só agora sei que a claridade nos cômodos era névoa, era gelo, era a neve do engano enterrando nosso antigo amor.
Foi tão leve sua partida!
Só vi que iria quando suspendeu o beijo
e meus olhos enxergaram, por fim,
o cansaço nos seus.
Quase falei, mas a inutilidade das palavras invadiu o momento e apagou todos os sons.
Escolhi ficar com as lembranças e você se foi,
como um segredo meu que se abriu e saiu pelo mundo.


Imagem: Luisa Bardi