segunda-feira, dezembro 01, 2008

Entre penumbras...


...confesso que te amo
embora já tenha dito
de todas as maneiras
na intenção do verso
na premeditação da lua
no sem sentido do que digo
subterfúgios
máscara de poeta
para te dizer todo dia
que te amo
por que não enxergas?
cegas, as palavras se atropelam
cansada cantiga de amigo
a repetir meus ardores
de amor e medo
de que não mais sejas
o sentido que ainda busco,
o mar à minha espera,
o sonho, o gemido
do desejo e o suspiro
de amor
todas as noites revivido.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Amo-te ainda


Se dos meus olhos desaba a luz
de perenes manhãs de sol
abrindo minhas cortinas,
é por saber de ti,
voz distante e rara.

Amo-te ainda hoje
e me visto de vermelho em manhãs assim
em que tua voz me desperta
(um fado em sonhos)
como se fora te encontrar.

Amo-te ainda e mais
de um amor sem asas, tecido de ausência
(e ânsia)
e me queria dentro dos teus sonhos
como te percebo nestas madrugadas.

Se desperto contigo,
canto o meu amor desvalido
e vou pelo dia, colorindo calçadas
com lembranças da noite e suas horas infindas
como se, enfim, tivesses vindo.

(Amo-te ainda e tanto)

Imagem: Marie Louise Oudkerk

segunda-feira, novembro 03, 2008

A música do amor


Que importa este corpo
de onde se ausentou a primavera
se o amor, como melodia de cítaras
atravessa os silêncios da noite,
desfaz o frio, abre os mares
levando consigo as notas do lamento,
o canto antigo do meu querer?

Que importa se não estás nunca
e só me deixou as sombras,
escombros de carinhos
que insisto em refazer?

O meu amor continua fluindo em ascenso
soando em plangências desarvoradas
a confundir as madrugadas.

Que importa a dor
pela morte da flor que plantaste
para depois matar de sede e fome?

Há uma sinfonia
(alarido de lembranças)
de palavras que sussurro
no solitário torpor das noites
e cobrem as nuvens.

Choverá em algum lugar...
Quem sabe, assim, ouvirás meu canto?

quarta-feira, outubro 15, 2008

Arca de ilusões

Entre tantas ilusões,
foi a ti que escolhi,
corsário dos meus sonhos
na arca da solidão, guardados.

Entre tantas oferendas
de amor, algumas
outras de felicidade
quase me perdi.

Nenhum sonho transformou em festa
a frieza que comigo amanhecia,
depois da mais longa madrugada,
senão o de tuas palavras.

Andei pelos caminhos onde pisam todos os amantes,
ao lado da ilusão do teu amor a me roubar
do frio e da noite que julguei eterna.

Porém, à primeira tempestade,
fostes embora
levando da arca, o brilho.
Meus sonhos todos perdidos
no vão do mundo.
Agora nenhum há, guardado no fundo,
nenhuma estrada
nem ilusão,
nada.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Tormento


Nestas noites minhas
de morrer de amor,
tua imagem rodopia
na solitária taça
que meus lábios embriaga.

Como se fosses chegar
a qualquer momento,
flores inventam tua vinda
tramando aromas na janela.

Que sabem as flores de perfumes?
Que sei eu de ti
que não voltas?

(Só sei do tormento
que em mim deixaste,
aroma de mar, cor do vento
).

Imagem: Fernando Diniz

segunda-feira, setembro 29, 2008

Suavium


Flores chegam agora,
em silente alarido de cores.

Trêfegas aladas,
igualmente coloridas,
buscam olores em louca festa.

Desvario....

Quem sabe também nascerias
dentro de mim,
tu que fazes florescer do negrume,
a vida das sementes,
por gladíolos e orquídeas
por gloxíneas
desvairadamente pintadas,
o cravo do amor
profundamente plantado?

Do casulo, arriscaria asas,
buscando de ti,
o perfume vermelho dos beijos
pois que, trânsfuga,
preciso florescer em tua boca.

Imagem: George Watts

quarta-feira, setembro 10, 2008

Da espera


Amanhece...
Adormece finalmente a noite rubra
que deixaste à minha porta.
O dia é um sonolento jardim
onde dormem as sementes da espera.

Há vida, porém,
neste jardim que dorme
mesmo sob o sol que corre.

Vou viver, enquanto espero
(esperas também, eu sei).

Visto-me de flor aqui, ali.
Quem sabe algum perfume sintas,
no ar, que em mim deixaste
na insone noite de sonho?

O dia é um pêndulo lento
caminhando indiferente
da esperança ao desalento.

Onde estou, onde estás
na tênue passagem do nosso tempo?
Saramar

Imagem: Edvard Munch

quinta-feira, agosto 21, 2008

Carta cheia de dor


Ando triste, meu amigo.
Há uma ausência morando em minha casa
que cobre de cinzas os espelhos,
amarga o sumo das frutas
e abala as flores em desfalecido langor de doentes.

Sonhei muito e o cansaço também me abate
vivo longe, afasto-me de mim
incapaz de olhar o anel que se quebrou.

Ando pelas manhãs, em lágrimas
o sol queima meus olhos
e desfaz toda cor.
(Que cor terá a saudade?)

Voltei à eterna noite e às lembranças,
dardos inesperados a sangrar, a sangrar...

Desta tão grande noite,
fogem até as felicidades fáceis
e me abandonam as palavras, uma a uma,
seguindo o caminho de quem me deixou.

Imagem: Fiodor Moller

sexta-feira, agosto 15, 2008

Justiça para Flávia


O amor tem muitas faces.
A mais bela de todas,
vive nos olhos das mães
que iluminam toda sombra
refazendo os dias,
acendendo o sol.

De iluminar, porém,
há uma mãe maior
peregrina do frio em que vive
da maior tristeza, refém.
Ela e sua filha,
buscam determinadas,
no deserto gelado da injustiça,
o que lhes foi tomado
mitigar a imensa dor
para sempre, irreparável.

sábado, agosto 09, 2008

Do que não digo


Saberá o pálido papel
do veneno e da urgência
que tomam da boca as palavras
ou do júbilo dos corpos multiplicados
em muda agonia de amor?

As palavras que sei nada sabem
do que pressinto no teu peito,
ninho de gemidos.

Nada que eu diga, diz tudo de ti,
do devanear ou da saudade antiga,
pois que vives já nas minhas veias
semente, veio valioso do desejo.

Do que sei de ti,
tão dentro de mim,
as palavras não sabem dizer.

Imagem: Eduard Munch

quarta-feira, julho 23, 2008

Noturno

Se à ilusão me entreguei
foi pelo peso das noites
e o amanhecer que tarda.

Enceno, toda noite,
a delicada farsa de uma festa.
Sonhos trançam redes
nas paredes da madrugada lenta
e és apenas a sombra rápida
que pulsa no ritmo de extinta música.

Entreguei-me à ilusão noturna
de tua presença.
Não durmo para entrevê-la
ou ela não me deixa adormecer
ou não quero adormecer
pois que só nos festivos delírios
da lua em minhas flores,
adivinho teu riso,
frêmito de sol entre as sombras.

A manhã me encontra reclinada ainda
sobre a ilusória festa.
O dia se estende como o frio lençol
que se deita sobre mim.
Nem mais ilusão existe,
uma claridade indiferente
é o que resta.
Imagem: Silvia Lopes

domingo, julho 20, 2008

Absurdo querer


Depois do absurdo querer que se abriu sobre mim,
céu de desconhecidas luzes,
molhe dos mares do mundo inteiro de me recolher,
conheci os maiores segredos dos deuses felizes e ignorados:
esperar, ao final das horas,
o carinho ora tenso,
ora o laço de me enredar,
os braços do meu amor,
onde me perco e me prendo.

Nada é mais preciso que sonhar esse sonho,
e ver as nuvens que nos olhos dele passaram,
flores,
vestígios da língua dos amantes
solta em música, em dança.

Depois de saber desses segredos,
a vida anda na trilha encantada dos desejos,
em teia de amor envolta.

terça-feira, julho 15, 2008

Que poema me libertará?

O poema me libertará?
logo esse poema torto
de se servir das mais toscas palavras
do arremedo dos versos,
pedras escorando o amor
que não tem guarida
tonto
por não ter onde se revelar
por ser nada,
flor jogada na esquina,
antes que se dobre a rua
e a vida vire
e volte a ser o de sempre.

Que poema me libertará
da certeza triste
que me acorda todas noites
encolhida em cantos,
reconduzindo-me a momentos
de abandono e aromas,
renitente como espinho
fingindo que é distância,
mundos depois dos mundos,
a impossibilidade do amor?

quinta-feira, julho 10, 2008

Se morro deste amor...


E se morro deste amor,
o que será dele, o meu amor perdido,
vagando ainda vivo, nestas ruas da solidão?

A tatuagem andará nua, sem a pele
que a abrigava e sem nada,
apagar-se-á, de medo?

Sombra de minha sombra,
o amor me criou e agora me mata.

Inutilmente, minha alma pede a alvorada,
mas meu amor encontrou outros trilhos
e tudo arde, prenunciando as cinzas.

Tudo arde, meu amor
e morro, em ímpio fogo.
Distante das cinzas, entretanto,
no silêncio de quem sabe esquecer,
nada lembras do que me faz arder.

Imagem: Eugene Carriere

sexta-feira, julho 04, 2008

Meu sol


Tão quieta estava
envolta na lida estranha
de acalentar a solidão
tentando calar a mágoa,
cantando para ninar dor.

Então, saíste de ti para mim.

E já não sei para onde voltar os olhos
se, negros dessa costumeira escuridão
de quem nada lembra do amor,
perderam o rumo, mal sabem enxergar.

És tanta luz, meu amado!
Deslumbrante, vences minha noite
trazendo nas mãos, as flores novas
deste dia que nasce, por seu amor gerado.

Imagem: Dennis Kelly

sábado, junho 28, 2008

Lamento de quem ama sem conhecer o amor


O que vale amar, se faz frio
e a noite é um vidro fechado,
apenas?

O que vale amar, se tudo se fecha,
se chove interminavelmente
e, em seus olhos,
nenhum brilho de arco-íris nasce,
como sempre acontece com quem ama?

Abrir-me como o vaso pressentindo a flor
a conduzir a vida com seu perfume,
deu vida aos espinhos que meu corpo cingem,
apenas.

Despeço-me, então, da ternura e da paixão,
deixo o beijo para quem conhece o mistério
de abrir o sol com a língua.
Deixo a doce lida de amar
a quem pode colorir os olhos, depois da chuva.

Nos meus, a lágrima cortante dos sozinhos,
apenas.

Imagem: Nuno Peixoto Branco

segunda-feira, junho 16, 2008

Baile


“Te amo sem saber como, nem quando, nem onde”
Pablo Neruda



Íntima semente baila em meu reino
ao sabor de tuas doçuras.
Fogueiras acesas guardam meu coração
e o perfume que nele deixaste.
Visto-me de tanto sonho,
em rosa encarnada da cor de tua boca,
dos teus beijos a me enfeitar depois de tanta espera.

Bela para nossa dança,
tranço trêmula nos braços teus
e no suave sabor de teus murmúrios,
mar a me levar ao único dos mundos
meu e teu.

É manhã sempre para este amor
pois que tudo começa e renasço bem amada.
E por teu amor, refeita,
eu te amo mais.

quinta-feira, junho 05, 2008

À noite


Preferia a noite quando, insone
inventava palavras de amor
(que não me dizias)
palavras em carne viva que arrancava de mim
para serem tuas, no diálogo sério e louco
dos que amam sozinhos, dobrados sobre si
amor em dobro, pesando sobre a alma só.

Confesso...

Inevitável é te amar
já não luto mais.
Desamparada do teu amor,
ainda agora um conto que leio
de outros personagens,
entrego-te as palavras que sempre foram tuas,
sem eco em ti, no entanto.

Preferia as noites
quando a melancolia em meus olhos dormia
e as estrelas ouviam uma voz,
ora alta, ora em murmúrios,
o diálogo louco de uma alma só,
como se fora duas,
amando na noite, imersa na madrugada
enquanto as flores amanheciam...

Inevitável...

Elegia do amor que, a um novo dia,
repousa calada em minhas pálpebras feridas de luz,
feridas de toda certeza deste inútil querer.

Até que chegue novamente a noite
e o oceano rubro das palavras enovele
minha voz solitária em tua imaginária voz.
no denso silêncio, o perfume escuro das rosas
enfeita o intento meu
de desadormecer o teu amor.

Imagem: Diego Prado (flick)

sábado, maio 31, 2008

Do teu amor, que quisera meu

Imprevista, os espelhos me mostram
outra mulher, deste teu amor iluminada.
E perdem meus pés, o chão,
passarinho pela casa em cantos desafinados
sem fala, sem medo, sem mais nada
senão o teu vôo riscando meu mundo
em rabiscos delicados de amor.

E sigo, brilhando sob o teu olhar
à quentura do teu beijo e o meu morno ventre
flor e o seu sol presos num instante
antes de todas as primaveras, atrasadas.

Enfim, em alva liberdade, sei e sabes
das palavras em lugar dos nomes
"minha amada", meu amor
e da mímica dulcíssima de beijos
no silêncio azul das madrugadas.

sábado, maio 24, 2008

Quando meu amor vier...


Na longa noite da minha janela azul
ouço os passos do meu amor em súbita vinda
o coração louco, o arrepio nos espelhos
acesos desta luz que se anuncia
em seu cavalo amarelo,
minha vida, meu amor que vem, enfim.
Já o pressinto após a noite
e a música dos seus passos acordando
a felicidade de quem se despede da madrugada.
Minha alma depois de toda ausência,
alvoroçada, a pressenti-lo
ofuscando a invejosa manhã
e sua mão colorida de todas as flores
abrindo o dia e os gestos de amar
do meu corpo que já os esquecera.

(quando o meu amor vier...)

segunda-feira, maio 19, 2008

Saudades


“Neste dia de inverno
tenho-te como um gemido”
João do Carmo



Disseste adeus com a fluidez
de quem pode falar dentro
da alma em quietude,
as plavras mais tristes.

Em jardim estéril me deixaste
como flor de papel
descolorindo-se em suicídio.

De teu amor, exilada, desnorteei-me,
perdida perto do chão, quem antes,
andara beirando o céu.

Lá fora, mais um outono se vai
enquanto em mim, o inverno se eterniza
no longo caminhar das horas,
no gélido vento da solidão
e da saudade que me atormenta.

Imagem: Redsnap (Flick)

Hoje, também estou em aqui.

quarta-feira, maio 14, 2008

O nosso amor que invento


Invento o nosso amor
e ele, inverterá as sombras,
tecendo-as com amarelos, dias de cor.

O nosso amor que invento,
refaz-se em cada sonho,
em cada beijo que dorme
no sossego dos meus lábios.

O nosso amor que invento,
transtornará a cidade,
com seu desequilíbrio
que todo amor é malabarista
e se quedará desembaraçado,
em alguma esquina de maio,
por um fio, um beijo, uma esperança.

O nosso amor que invento,
do desconcerto dos desejos,
plantará ventos e flores pelos caminhos
que todo amor também sabe doer
e voltar no tempo para se refazer.

Por esse amor que invento,
nosso, embora não seja,
moram no meu silêncio, tuas palavras
como se percorressem, em ritmo certo,
a linha oscilante do querer
que só nos meus sonhos existe.

Imagem: Quint Buchholz

sábado, maio 10, 2008

Minha mãe


À minha mãe e a todas as mulheres que são ou serão mães...

Como fruto do cerrado e seu tenso invólucro
guardando em fero leite, suas sementes,
renasce minha mãe, todo dia, colorida e forte.
Como árvore de alimentar e seus frutos
assim é minha mãe, de braços amplos,
feito ramos
e suas seivas do amor,
o mais perene,
espalhando-se pelas vidas de quem a cerca.

Minha mãe, minha mãe,
quantos espinhos a feriram
se nenhum em ti nasceu?
Que mares insistem em salgar tuas raízes
ainda assim fecundas,
prenhes de calmo e constante cuidar?


Eu te amo, minha mãe,
fruto aceso do cerrado,
que no calor próprio de tua alma
sempre se abre em seiva,
em sumo doce de amor
e de todo possível amar.

terça-feira, maio 06, 2008

Do amor e de quem ama


Vive o amor os seus segredos
e assombra os inocentes (ainda)
com o minucioso tecer do desejo
ou o tremer da língua
um segundo antes do beijo.

Vivem os amantes os seus mistérios
e desafiam os incrédulos (ainda)
com aromas azuis e vermelhos
e olhos entardecidos
de sonhar os dispersos crepúsculos
na floração dos corpos.

Conta as horas, o amor
para a noite esplêndida.

Iludem o sol, os amantes
trânfugas, a recomeçar.

quinta-feira, maio 01, 2008

Cego amor

“Cega-me com o brilho de teus olhos
Que cega ando eu há muito por te amar.”
Florbela Espanca


Eu te amo e sigo imaginária,
sem melancolias ou sobressaltos.
Sei do meu amor à sombra de ti,
que nada sentes por não saber de mim.
Calma e só, eu te amo, sem perturbar
as manhãs de tua vida ou tua solidão
solidamente construída,
noite a noite em labor de artesão.

Ainda que não pressintas,
meu amor feito de esperança e perfume,
de miragem e fantasia
meu amor é do feitio do dia,
diverso de ontem e constante,
como se pudesse florescer em ti,
estando em mim profundamente plantado.

Sigo te amando,
insuspeito pássaro entre nuvens,
sem perturbar o brando intumescer das águas
ou o líquido precipitar.
Sigo só, em sede, em sonho
de um súbito incêndio a queimar tuas cortinas
e de tua aberta voz docemente debruçada
sobre o silêncio do meu cego amor.

Imagem: Nicoletta

segunda-feira, abril 28, 2008

Abre aspas


Blogagem coletiva organizada por Lunna Guedes


É lugar comum falar do mestre, um clássico. Porém, envolvida que vivo com Adriano e, em vista deste inesquecível lamento de dor diante da morte do ser mais amado, peço licença para homenagear o grande Fernando Pessoa, com este trecho de:


ANTÍNOO


Era em Adriano fria a chuva fora

Jaz morto o jovem
No raso leito, e sobre o seu desnudo todo,
Aos olhos de Adriano, cuja cor é medo,
A umbrosa luz do eclipse-morte era difusa

Jaz morto o jovem, e o dia semelhava noite lá fora
A chuva cai como um exausto alarme
Da Natureza em acto de matá-lo.
Memória do que el´ foi não dava já deleite,
Deleite no que el´ foi era morto e indistinto.

Oh mãos que já apertaram as de Adriano quentes,
Cuja frieza agora as sente frias!
Oh cabelo antes preso p´lo penteado justo!
Oh olhos algo inquietantemente ousados!
Oh simples macho corpo feminino
qual o aparentar-se um Deus à humanidade!
Oh lábios cujo abrir vermelho titilava
os sítios da luxúria com tanta arte viva!
Oh dedos que hábeis eram no de não ser dito!
Oh língua que na língua o sangue audaz tornava!
Oh regência total do entronizado cio
Na suspensão dispersa da consciência em fúria!
Estas coisas que não mais serão.
A chuva é silenciosa, e o Imperador descai ao pé do leito.
A sua dor é fúria,
Porque levam os deuses a vida que dão
e a beleza destroem que fizeram viva.
Chora e sabe que as épocas futuras o fitam do âmago do vir a ser;
O seu amor está num palco universal;
Mil olhos não nascidos choram-lhe a miséria.

Antínoo é morto, é morto para sempre,
É morto para sempre, e os amor´s todos gemem.
A própria Vénus, que de Adónis foi amante,
Ao vê-lo então revivo, ora morto de novo,
Empresta renovada a sua antiga mágoa
Para que seja unida à dor de Adriano.

Agora Apolo é triste porque o roubador
Do corpo branco seu ´stá para sempre frio.
Não beijos cuidadosos na mamílea ponta
Sobre o pulsar silente lhe restauram
Sua vida que abra os olhos e a presença sinta
Dela por veias ter o reduto do amor.
Nenhum de seu calor, calor alheio exige.
Agora as suas mãos não mais sob a cabeça
Atadas, dando tudo menos mãos,
Ao projectado corpo mãos imploram.

A chuva cai, e el´ jaz
como alguém que de seu amor ´squeceu todos os gestos
E jaz desperto à espera que regressem quentes.
Suas artes e brincos ora são c´o a Morte.
Humano gelo é este sem calor que o mova;
Estas cinzas de um lume não chama há que acenda.

Que ora será, Adriano, a tua vida fria ?
Quão vale ser senhor dos homens e das coisas ?
Sobre o teu império a ausência dele desce como a noite.
Nem há manhã na esp´rança de um deleite novo;
Ora de amor e beijos viúvas são as tuas noites;
Ora os dias privados de a noite esperar;
Ora os teus lábios não têm fito em gozos,
Dados ao nome só que a Morte casa
À solidão e à mágoa e ao temor

Tuas mãos tacteiam vagas alegria em fuga
Ouvir que a chuva cessa ergue-te a cabeça,
E o teu relance pousa no amorável jovem.
Desnudo el´ jaz no memorado leito;
Por sua própria mão el´ descoberto jaz.
Aí saciar cumpria-lhe teu senso frouxo,
Insaciá-lo, mais saciando-o, irritá-lo
Com nova insaciedade até sangrar teu senso.

Suas boca e mãos os jogos de repôr sabiam
Desejos que seguir te doía a exausta espinha.
Às vezes parecia-te vazio tudo
A cada novo arranco de chupado cio.
Então novos caprichos convocava ainda
À de teus nervos, carne, e tombavas, tremias
Nos teus coxins, o imo sentido aquietado.

...

E de pensar, essa luxúria que é
memória de luxúria revive e toma-Lhe os sentidos p´la mão,
desperta a carne ao toque,
E tudo é outra vez o que era dantes.
No leito o corpo morto se soergue e vive
E vem com el´ deitar-se, junto, muito junto,
E uma invisível mão e rastejante e sábia
A cada uma do corpo entrada da luxúria
Vai murmurar carícias que se esvaem, mas
Se demoram que sangre a derradeira fibra.
Oh doces, cruéis da Párthia fugitivas!

Assim um pouco se ergue, olhando o amante
Que ora não pode amar senão o que se ignora.
Vagamente, mal vendo o que comtempla tanto,
Perpassa os frios lábios pelo corpo todo.
E tão de gelo insensos são os seus lábios que, ai!
Mal à morte lhe sabe o frio do cadáver,
E é qual mortos ou vivos que ambos foram
E amar inda é presença e é motor.
Na dos do outro incúria fria os lábios param
O hálito ausente aí recorda-lhe a seus lábios
Que de pra lá dos deuses uma névoa veio
Entre ele e o jovem. Mas as pontas de seus dedos,
Ainda ociosas perscrutando o corpo, aguardam
Uma reacção da carne ao despertante jeito.
Mas não é compreendida essa de amor pergunta:
É morto o deus que era seu culto o ser beijado!

Levanta a mão pra onde o céu estaria
E pede aos deuses mudos que sua dor lhe saibam.
Que a súplica lhe atendam vossas faces calmas,
Oh poder´s outorgantes! Dá em troca o reino
Nos desertos quietos viverá sequioso,
Nos longes trilhos bárbaros mendigo ou escravo,
Mas a seus braços quente o jovem devolvei!
Renunciai ao espaço que entendeis seu túmulo!

Tomai da terra a graça feminina toda
E num lixo de morte o que restar vertei!
Mas, pelo doce Ganímedes, distinguido
Por Jove acima de Hebe para encher-lhe
A taça nos festins e pra instilar
O amor de amigos que enche o vácuo do outro,
O nó de amplexos femininos resolvei
Em poeira, oh pai dos deuses, mas poupai o jovem
E o alvo corpo e o seu cabelo de oiro!
Ganímedes melhor talvez tu pressentiste
Seria acaso, e por inveja essa beleza
Dos braços de Adriano para os teus roubaste.

Era um gato brincando co´a luxúria,
A de Adriano e a sua própria, às vezes um
E às vezes dois, ora se unindo, ora afastado;
A luxúria largando, ora o àpice adiando;
Ora fitando-a não de frente mas de viés
Ladeando o sexo que semi não espera;
Ora suave empolgado, ora agarrando em fúria,
Ora brinca brincando, agora a sério, ora
Ao lado da luxúria olhando-a, agora espiando
O modo de tomá-la no aparar da sua.

Assim as horas se iam das mãos dadas de ambos,
E das confusas pernas momentos resvalam.
Seus braços folhar mortas, ou cintas de ferro;
Agora os lábios taças, agora o que liba;
Olhos fechados por de mais, de mais fitantes;
Ora o vai-vém frenético operando;
Ora suas artes pluma, ora um chicote.

Viveram esse amor como religião
Oferta a deuses que, em pessoa, aos homens descem.
Às vezes adornado, ou feito enfiar
Meias vestes, então numa nudez de estátua
Imitava algum deus que de homem ser parece
Pela do mármore virtude exacta.
Agora Vénus era, alva dos mar´s saindo:
E agora Apolo ele era, jovem e dourado;
E agora Júpiter julgando em troça
A presença a seus pés do escravizado amante;
Agora agido de rito, por alguém seguido,
Em mistérios que são sempre repostos.

Agora é algo que qualquer ser pode.
Oh, crua negação da coisa que é!
Oh de aurea coma sedução fria de lua!
Fria de mais! De mais! E amor como ela frio!
O amor pelas memórias do amor seu vagueia
Como num labirinto, alegre, louco, triste,
E ora clama o seu nome e lhe pede que venha,
E ora sorrindo está à sua imagem-vinda
Que está no coração quais rostos na penumbra,
Meras luzentes sombras das formas que tinham...

...

Erguer-te-ei uma estátua que será
Prova, para o contínuo das futuras eras,
Do meu amor, tua beleza e do sentido
Que à divindade p´la beleza é dado.
Que a Morte com subtis mãos desnudantes tire
A nosso amor as vestes do império e da vida,
Ainda a dele estátua que só tu inspiras,
As futuras iades, quer queiram, quer não,
Hão-de, qual dote por um deus imposto,
Inevitavelmente herdar.

...

Como o amante que agurada, assim ele ia de
Canto a canto do em dúvida confuso de espírito.
Ora sua esperança um grande intento era
De que o anseio fosse, ora ele cego se
Sentia algures no visto indefinido anseio.
Se o amor conhece a morte, que sentir se ignora.
Se a morte frustra amor, que saber não sabemos.
A dúvida esperava, ou duvidava a esp´rança;
Ora o de sonhar senso ao que sonhava anseio
Escarnecia e congelava em vácuo
De novo os deuses sopram a mortiça brasa.

A tua morte deu-me alta luxúria mais
Um carnal cio em raiva por eternidade.
No meu imperial fado a confiança ponho
Que os altos deuses, por quem César fui,
Não riscarão de vida mais real
Meu voto de que vivas para sempre e sejas
Na deles melhor terra uma carnal presença,
Amável mais, mais amorável não, pois lá
Não coisas impossíveis nossos votos jaçam
Nem corações nos ferem com a mudança e tempo.

Amor, amor, Oh, meu amor! Já és um Deus.
Minha esta ideia, que por voto eu tomo,
Voto não é, mas vista que me é permitida
Pelos grãos deuses, que amor amam e dar podem
A corações mortais, sob a forma de anseios,
De anseios que alvos têm indescobertos,
Uma visão reais coisas para além
De nossa vida em vida aprisionada, nosso sentido no sentido preso
Ai, o que anseio que tu sejas, és tu já.
Pois já o Olimpo o território tu pisaste e és perfeito, sendo tu embora
Pois excesso de ti não precisas vestir
Perfeito para ser, a perfeição que és.

...

Amor, meu amor-deus! Que eu beije, em frios teus
Lábios, teus quentes lábios imortais agora,
Saudando-te beato nos portais da Morte.
Pois que pra deuses são portais da Vida.

...

E aqui, memória ou estátua, ficaremos
O mesmo um só, qual de mãos dadas éramos
Nem as mãos se sentiam por sentir sentir.
Ver-me-ão os homens quando o que és entendam.
Podiam ir-se os deuses, no vasto rodar
Das curvas eras. Só por ti apenas,
Que, um deles, no ido bando houveras ido,
Viriam, qual dormissem, para despertar

...

E se a nossa memória a pó se reduzisse,
Uma divina raça do fim das idades
Nossa unidade dual ressuscitava.

Ainda chovia. Em leves passos veio a noite
Fechando as pálpebras cansadas dos sentidos.
A mesma consciência de eu e de alma
Tornou-se, qual paisagem vaga em chuva, vaga.
O Imperador imóvel jaz, e tanto que
Semiesqueceu onde ora jaz, ou de onde vem
A dor que era inda sal nos lábios seus.
Algo distante fora tudo: um manuscrito
Que se enrolou. E o que sentira a fímbria era
Que halo é em torno à lua quando a noite chora.

A cabeça pousava sobre os braços, estes
No baixo leito, alheios a senti-lo, estavam.
Os seus olhos fechados cria abertos, vendo
O nu chão negro, frio, triste, sem sentido.
Doer-lhe o respirar tudo era que sabia.
Do tombante negrume o vento ergueu-se
E tombou; lá no pátio ecoou uma voz;
E o Imperador dormia...
Os deuses vieram....
E algo levaram, qual não senso sabe,
Em braços de poder e de repouso invisos.
(poesia originalmente escrita em inglês, tradução de Jorge de Sena)

Pequena biografia
Fernando António Nogueira Pessoa, nasceu aos 13 de junho de 1888 em Lisboa. Em seguida à morte do pai, em 1893, sua mãe se casou, em 1895, por procuração com João Miguel Rosa, consul interino de Portugal em Durban, África do Sul, para onde vai a família em 1896. Ali Fernando Pessoa fez os seus primeiros estudos. Devido a esse fato, o inglês converteu-se em sua segunda língua, que utilizou para escrever diversos poemas.
Em 1905 Fernando Pessoa retornou a Lisboa, para se matricular no Curso Superior de Letras, que abandonou um ano depois, motivado por uma greve de estudantes. Em 1907, fundou uma tipografia, que teve vida curta e, em 1908 iniciou sua atividade como "correspondente estrangeiro".
Em 1913 escreveu a poesia "Pauis" e, em 1914 os primeiros poemas de seus heterônimos, Alberto Caieiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Em 1915 são publicados dois números da revista "Orpheu" e, em 1917 o único número da revista "Portugal Futurista". Em 1920 conheceu Ofélia, a quem destinou as suas "Cartas de Amor".
Em 1921 Fernando Pessoa publicou os seus "English Poems", e teve início a publicação da revista "Contemporânea", onde Fernando Pessoa colaborou. Entre 1924 e 1925 foram publicados os cinco números da revista "Athena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
Em 1927, em Coimbra, iniciou-se a publicação da revista "Presença", na qual Fernando Pessoa colaborou. Em 1932 requereu, em concurso de títulos, o cargo de conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca do Conde de Castro e Guimarães, em Cascais, sem sucesso. Em 1934 aparece a "Mensagem", que recebe um prêmio do Secretariado de Propaganda Nacional.
Em 30 de novembro de 1935, vem a falecer no Hospital de São Luís dos Franceses, devido a complicações hepáticas.

terça-feira, abril 22, 2008

Tivessem asas, as palavras

"o seu amor reluz que nem estrela,
asa do meu destino..."
Djavan


Tivessem asas, as palavras
e não se amarrassem
à ancora da solidão
se não lhes pesassem os pedaços,
frágeis destroços de sonhos
de todo o amor naufragado.

Se não pesassem as palavras
sob a fome da dor
perdidas do seu alimento,
o canto de amor silenciado,
morto.

Tivessem asas, as palavras
depois de marítimo vôo,
desfeita a agonia
em céu de música e luz,
de mímicas aventureiras,
soltas, as palavras, e leves
pousariam calmas em teu peito,
enfim porto.

Imagem: Kollembaum

quarta-feira, abril 16, 2008

Desalinho


"A esperança está viva, a vida está certa:
guarda a minha mão, guardarei a tua."
Alexandre O'Neill
Vê amor,
a vida se esgarça em fios lentos
o meu tempo, o teu
em desalinho, precipício
já não sei onde piso,
mas ainda te pertenço
ventre, mãos, olhos desfeitos
de tanto exílio.

Vê amor,
que outras palavras diria
se soubesse o que mais dizer
além do que tua alma pressente?
Que dialeto haverá, novo
de dúvidas outras e belas?
(o pulsar da cor em teus olhos talvez,
quando o sol nos encontrar,
de felicidade, despertos).
Quanto de minhas veias hei de abrir
para que fluas em mim,
vida enfim?

(à ausência da flor levíssima do teu amor
desvaneço-me, extinta).

Imagem: Haleh Bryan

domingo, abril 13, 2008

AINDA AMO VOCÊ


Amo, ainda.
Mais, se possível fosse.
Amo as noites escuras de dor e silêncio
Quando sua boca deixou a minha
E tentou outros sabores.
Amo as dores
que minha alma provou
na solidão de não estar.
Amo as pedras que rolaram
sob nosso amor selvagem
e o riso dos pássaros que
se fartaram de nosso mel.
Amo até sua ausência
porque dela assomam
os mínimos carinhos e
as carícias inimagináveis
que seu amor inventava
para agradar o meu.

quinta-feira, abril 10, 2008

Lamento de outono


Não vês que sequer me queixo
e, ao contrário dos poetas,
finjo ser feliz,
enceno o que não sinto?

Não vês que cortei os dedos
esvaindo, palavra por palavra,
a carta de amor que não irias ler,
ainda que breve?

Não vês que vivo em sombras,
em prenúncio de ventos,
ainda que o fogo antigo do teu carinho
afaste o frio,
até quando, até quando?

Não vês que ainda te amo?

Imagem: Bouquereau

sábado, abril 05, 2008

Infinitos


Desde o passado, em mim, vivias.
O que sempre imaginara vida,
agora sei,
foi a saudade de ti
que eu ainda não sabia.
Minha alma te esperava.
Tornaste possível a eternidade
(sonho dos deuses)
trocaste o nunca e o futuro dos amores
(quase sempre a solidão)
por tua permanência.
Antes mesmo que em mim, vivesses,
de ti, antes, sempre fui
ainda que apenas um murmúrio
de vento anunciasse teu existir.
Tua, entre os tempos,
em infinitos, ando pela vida.

Imagem: Da Vinci

segunda-feira, março 31, 2008

Pressentimento


O que pressinto, não nego,
tem a música dos inocentes,
como tentar, a borboleta
alcançar altiplanos
ou ouvir, dos anjos,
o sopro de algum segredo.
O que pressinto, não nego
são asas que me emprestas
de seguir contigo, em sonho,
no amoroso caminhar.
O que pressinto e só digo
ao meu coração alvoroçado,
é do tempo,
é dos caminhos sem chão ou pedras,
por onde vens, por onde vou.
O que pressinto, não nego,
é o rumor de teus pés
e o momento do meu perfumar
para ti,
que pressinto.

terça-feira, março 25, 2008

Do amor que nunca morre


Quantas vezes já te esqueci?
Quantas?
Perdida a voz
e essa dor, esse sofrer!
Não cabe em mim tua ausência,
não cabe,
espraia-se alma a dentro.
Mesmo solta em festa,
ou nas cinzas de todo sonho,
não cabe em mim
saber-te incerto,
por outros braços, colorido,
perdido em outros beijos,
como se não tiveras existido,
como se não tivesses sido
o ritmo, a eternidade,
o instante de superar o medo.

(a vida dói, esse amor não acaba...)

Imagem: Rossetti

quinta-feira, março 20, 2008

Feliz Páscoa!


E se a páscoa vier assim com um desejo pequenino de só olhar
para aquela pessoa insuportável e dizer bom dia?
Se vier sem imensas pretensões de ressurgirmento, de renovar tudo?
Se vier só com um coração meio bobo e momentaneamente aberto
para coisinhas carinhosas, como escrever um bilhete
dizendo que está com saudades?
Uma páscoa com ovos de chocolate
e sementes quase invisíveis de amor
por essa humanidade inteira que só quer ser feliz?
Se for uma páscoa sem pé nem cabeça,
sem ovos, sem coelhos, sem nada,
sempre se pode dar uma olhada lá por dentro da gente
e encontrar uns pedaços de infância,
ou resquícios de amor adolescente
ou vozes de amigos que continuam música em nossa cabeça.

Eu sou muito pequena para páscoas triunfais,
mas renasço a cada dia, a mesma ou outra.
Por saber que isso é possível,
desejo-lhe a sua páscoa, do seu jeito,
imensa ou mínima, seja lá como for
e com o meu bilhete dizendo
que sempre sinto saudades de você.

Imagem: Peter Mitchev

domingo, março 16, 2008

Dos desertos em mim, sem você...


Eu que, antes,
queria tudo ontem,
atravesso o meu deserto com calma,
lambendo feridas de quem se perdeu
do amor,
arrancando, do peito, as adagas de quem perdeu
seu amor.

Eu, que quis tudo antes
e julgara para sempre o que foi breve,
contemplo com calma,
o acaso dos seus desejos,
dos laços, antes dourados,
agora, vermelhos, rasgados.

Eu, que tanto pedi, urgente e sem pejo,
e esperei o riso, a boca, o beijo,
deixo-me ficar, após encerrar-se a cena,
deixo-me aqui, sozinha,
emudecendo as luzes,
descosturando silenciosamente as fantasias
que juntos bordamos em telas oníricas
azuis, azuis, como o amor.

Deixo o desenho a duas mãos, falso
e parto, sem chão, sem pátria.
Deserto
deserta de você, deserto de mim.

Parto tranquila,
tranquilamente.
mente,
mente, minto,

(não suporto dormir sem suas mãos entre as minhas)

Imagem: Enriqueta Kleinman

segunda-feira, março 10, 2008

Solstício



É de fogo a tarde e te pressinto,
semente para sempre plantada,
que acalento e guardo.

O fogo que alimento
se queda brando em longa preparação,
e, em ímpeto de voraz arder,
queima o que em mim existe
de triste,
depois.

Em toda chama, amor,
guardo-te.
Em toda chama, o que poderia ser,
o solstício de nós dois.

sexta-feira, março 07, 2008

PELA MULHER


Blogagem coletiva “Pela valorizacao das mulheres Brasileira” proposta pela Lys e a Meiroca

Mulher, desnude-se.
Fique, enfim, nua
de todas as peles
que não são suas.
Rasgue o peito,
mostre a alma
apague do seu corpo,
a marca por outros posta
que você não é bicho
de se marcar.
Mostre a cara,
faça a festa
do seu sentir.
Constrói a vida
sobre a flama
do que você é
sob a máscara
de quem a desfez,
de quem a quer nua
da sensatez.



Hoje também estou aqui.

segunda-feira, março 03, 2008

Meu amor, de mar e vento

Eu te quero como quer o vento,
as folhas de acariciar,
leve ou violento.
A menina que ainda sou
quer o arquejo de amante
perdido no perfume que nasce em mim,
do teu desejar.

Eu te quero preso em meu paraíso,
alheio ao tempo que, fora de mim
e de ti,
persiste na sina de peregrinar.
Assim prisioneiro, não o verás,
nem eu,
que só conheço dos teus braços
e de tua melodia nos meus cabelos
vento, vento de me endoidar,
leve ou violento.

Eu te quero meu mar, imenso e inteiro.
Destino a tuas mãos, meus remansos.
E se te afastas, ou se tentas
a mais doída liberdade,
se foges ao encanto que hora lanço,
hás de voltar, hás de vir
leve ou violento.
Pois que, sendo eu, sem ti,
um deserto,
és meu vento de desatinar.

E não foge o vento de sua sina,
nem o mar de onde quer se deitar,

Leves, violentos.

Imagem: Lionel Noel Royer

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Oferenda

"Ai, amar é uma viagem..."
Pablo Neruda

Concede-me, amor
de tuas mãos,
o sol no meu corpo,
desfeito e morno.

Concede-me o tempo
de abarcar teus sonhos,
na sabedoria dos meus perfumes.

E me entrego,
imito estrelas,
e desarmo as dores que
em seu peito dormem.

Imagem: Matisse

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sonhos perdidos


Agora, o que vejo no espelho é o traçado longo
dos caminhos por onde andei
e as marcas (tantas) do amor que imaginei e
que não sendo, doeu e ainda dói.

Como dói esse amor inventado
quando a mais funda solidão se muda da alma
para a pele, para os dedos, para os olhos...

Nada distrai o lamento pelo que julguei ser amor
e foi apenas uma senda onde me perdi
por entre espinhos e poucas flores.

Trago as cicatrizes no corpo e, na alma, as dores.

Agora, vivo na semiluz dos solitários,
conversando com o espelho
e esta face estranha
que me impede de esquecer os sonhos.

Imagem: Frank Dicksee

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Destino


(Se houvesse uma música,
se a solidão se aventurasse
e seus desajeitados pés,
em fuga de se soltar,
enfim pisassem o cálido lugar
onde algum amor dorme esquecido
e eu o despertasse...)

Por tantas vezes, quis desistir
da procura do amor e descansar feliz,
como se a vida fosse ausência de angústia.
Em vão.
O amor é fio, o chão,
é o destino onde busco abrigo.

Se morro desta busca,
se meus pés, nus, encontram apenas
a pedra, a poça
e se perco o rumo...
do amor, para sempre distante,
ainda assim, teimosamente,
procuro o morno ninho, o molhe,
o assombro de quem enfim,
é amada
e amante.

Imagem: Ruth Silverman

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Ilucidez

O amor jaz cansado
em sua caixa de cores desfeitas.
À comoção, por mais breve,
-um reflexo de alguma luz,
a música,
ou um jeito de enlaçar -
mais se quer esmorecer.

E definha e volta a viver.

Num minuto de ilucidez
contamina com seu perfume
todos os desiludidos de amar.

...Um vento,
é só um vento
e parte.

Cansado, o amor não quer se prender.

Imagem: Rosalba Carriera

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Voando...



Hoje estou em vôo, falando em um leve fim.

Venha voar comigo.

domingo, fevereiro 10, 2008

O cruel viajante


Já tive a rosa do amor
- rubra rosa, sem pudor.
Cecília Meireles

De todo amor que se vai,
fica o gosto,
a arder no céu da boca,
ficam os dias lentos,
cansados dos atos de desfazer
os laços.

Todo amor que se vai
deixa os retratos tortos
(ou talvez apenas buracos)
desgarrados de suas paredes,
como o mesmo coração
de quem ficou.

Todo amor quando se vai,
deixa vazias as madrugadas
e a alma fria.
cessa a melodia,
enche a noite de silêncios
e as gavetas de cartas fechadas.

Imagem: Da Vinci

terça-feira, fevereiro 05, 2008

És tanto...


Na voracidade do teu pouso,
oh! poderoso pássaro,
perturbam-se meus seios,
como se neve os ornasse.
(entretanto, queimam).

Da leve sonata que tuas mãos
inventam em meu corpo,
oh! fugacíssimo mágico,
eis que no jardim antes adormecido,
desvela-se a ardente rosa.

No ritual arquétipo dos sentidos,
oh! gentilíssimo feiticeiro,
abrem-se os olhos do dia,
despertado, em pêlo,
pela melodia dos nossos ais.

És tanto de amor,
que refizeste o caminhar das horas.
Na cotidiana espera, sinto que se demoram
(mais, cada dia mais).

sábado, fevereiro 02, 2008

Do amor, quem sabe?


Quem sabe o amor seja um rio
e suas pontes
levando,
de um lado
para o outro lado,
a solidão, o vazio
de quem se cansou
de só ser?

Quem sabe o amor seja uma queixa
e sua fonte
derramando dos olhos
o que antes fora
a certeza
de para sempre ser?

Quem sabe do amor,
quem sabe?


Imagem: Mike Jones

domingo, janeiro 27, 2008

Da vida que passa


A vida é tão breve, amigo
e o amor exige tanto!
quer as lentas horas de sonhar
e o silêncio em que crescem as flores.
o amor exige silêncios de contemplar a própria alma
em busca do alento que desfez
o casulo onde dormia.

A vida é tão breve, amigo
e dormimos inocentes, do amor perdidos
em outros caminhos,
de sombra ou da tensa luminosidade
dos dias vazios.
O amor nos quer garimpeiros do seu esplendor,
quer a dor e do corpo,
a liturgia.

A vida é breve, amigo...
não me deixe só,
neste engano em que pensei viver
enquanto, de saudades, morria.

Imagem: Paddy Quinn

sábado, janeiro 26, 2008

Vem me dizer

Qual o teu jeito?
Qual é o meu?
É quando me assanho
e arranho tua pele
ou sempre que te entregas,
segredos,
as mãos e os beijos
de morder e matar?
Como fazer?
Qual receita?
Que caminhos percorrer
entre o teu desejo e minha ânsia?
Que tapetes estender para tua chegada?
Minhas flores ou a cor dos meus seios?
O que te eleva?
O que me leva aos teus braços,
que me estenderás,
cativo e carcereiro
do que enfim, ofereço,
minha flor,
meu espinho de cortar
e este coração que,
de tanto te amar,
abre-se como coxas de abraçar.
Qual tua fúria?
Em que fera te refazes,
em que arena devo me lançar
a atiçar tua sanha
e fazê-lo tonto,
manso,
de tanto me amar?

Imagem: Di Cavalcanti



Hoje, também estou aqui. Venha ler.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Se...


Pudera ser pêssego
e sua boca só provaria de doçura e seda.
Quisera ser ponte
e dançar em arcos na
amplidão dos seus braços.
E se fora pluma,
em você, suave, escreveria
toda uma história de amor.

Porém, sou gente e,
como se fora flor,
germino em saudade de primaveras,
tecendo aromas de entontecê-lo.

Imagem: Wong Luisang

quarta-feira, janeiro 16, 2008

O tom do amor



Nada leva o tom do amor,
o que tem de flor,
e o amargo saber do que dói
enquanto festeja,
na carne e no vinho,
a entrega.

Nada mais, depois do amor,
senão a pele possuída,
ora de neve, ora do fúlgido toque
que, para sempre permanece...
... orvalho, vazão de rios, visco,
tonturas
e o vento de virar gente
pelo avesso.

(poema inspirado por Marcia Clarinha, aqui)

Imagem: Rodin