terça-feira, fevereiro 27, 2007

Cuidados

Se deixei o amor sozinho
na banalidade dos dias, perdão.
Aviso os pássaros, solto os cães, acendo os faróis,
até trazê-lo de volta,
protagonista de todas as horas.

Se calei a música e guardei os carinhos
em versos sem ritmo, perdão.
Reabro o cantar, o calor na voz
e espalho papéis pelas ruas.

Se me revelei apenas promessa
e minha alma se tornou inalcançável, perdão.
Reaprendo a soletrar meus desejos
e refaço o futuro para andar ao seu lado.

Mas, não sou um ser de amarras.

Amo com a veste dos pagãos
e dos impuros anjos sem esperança.

Amo como a boca ama o ardor e a doçura,
como o livro ama as mãos que abrem seus segredos.

Não acalente meus sonhos, eu os quero vivos.
Não adormeça em meus olhos, a sede de me soltar
nem engane meus sentidos com o medo de amar.

Não sou um ser de amarras.

Imagem: Bouquereau

domingo, fevereiro 25, 2007

Sonho

Não, o amor não devia doer assim.

Nem demorar tanto e chegar tão impossível.

Não, não devia ser apenas nuvem, choro na madrugada e saudade.

O amor não deveria invadir as horas dessa forma e perturbar os olhos, sempre voltados para tão longe.

Não, a distância não precisava ser tamanha nem confundir o onde e inventar esse desejo de asas nascendo, súbitas e fortes.

Quem dera o amor agora,
a traquila certeza, o colo.
Quem dera o amor em paz,
cobrindo a tarde de carícias distraídas!
Quem dera o riso, o gozo, o sono
e o amanhã escrito,
perfeita previsão!
Quem dera você aqui.

Imagem: Daoni Pina

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Frio

Sobram em mim ternuras e já não as sei usar.

Esqueci os beijos e (não sei porquê)
só me lembro do antes,
do segundo em que o calor dos lábios
faz tremer o ar e arrepia a pele,
do silêncio que se faz no mundo todo,
como se depois dele, nada mais fosse existir.

Esqueci as carícias.
Delas, uma fraca luz, como um abajur antigo
acinzentando a sala e seu fogo que ainda queima, brevíssimo.

Esqueci as palavras de amor.
São ecos, gritos de pássaros em longínquas praias.
Ou serão as flores que nunca chegaram,
esta porta sempre fechada
ou as cartas, tantas cartas sem vir
e o perene inverno em meu corpo?

Tudo frio, escuridão e minha ternura dorme.


Imagem: Clemente Micarelli

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Descobrindo o amor

Descobrir o amor foi mergulhar em destemor, aventuras e riscos, o mel e as formigas.
Foi sentir o peito aberto como flor para o sol e a mente perdida entre claridades grandes demais.


Descobrir o amor foi enxergar nova estrada e ir por ela, indiferente às intempéries porque, sobre o chão, sou leveza,
só vejo flores no chão.
Foi desfazer muros e me fazer de rio para ir ao encontro do mar e seus ritmos e correntes.



Descobrir o amor foi embebedar-me de vinho amargo e inevitável e confundir meus passos com os seus, ouvir sua voz em minha boca e arder com seus medos e seus beijos.
Foi ver, nos seus olhos, o brilho dos meus.



(Em seus braços,
quero morrer de amor todo os dias)

Imagem: Shibata Zeschin


Hoje tem um pequeno poema lá no lindo mundo do Léo Scartezzini

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Ainda sou a mesma

Ainda sou a mesma, só me falta um pedaço.
Ainda sou a mesma e a esperança me move, como leva a semente ascendendo ao encontro da luz ou o ser informe em seu casulo trancado, sonhando perfumes.

Falta-me uma parte e andaria trôpega, não fosse a esperança, arrimo e leito de abrigar aqueles que, do amor, só carregam as correntes.

De que me farto?
Daquilo que me permite a melancolia dos dias transformados em gavetas entulhadas de sonhos, lembranças e palavras de amor devolvidas.
Farto-me de todos os carinhos presos em minhas mãos, sem dono, sem solução.

Falta-me uma parte,
mas me sobra a coragem das borboletas
e suas asas de papel em perene e colorida indecisão.

Sem asas, sou andarilha e atravesso a solidão.
Sem norte, vagueio em vigílias,
barco desancorado em águas de ilusão.

(você se foi e eu fiquei ainda)

Imagem: Anita Munman

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

CARNAVAL

Perdida de amor,
perco-me entre cores e foliões,
entre as dores que brincam
no bloco dos amantes sem esperança.
Juntos, em meio à festa,
sorrisos de fantasia ocultam a dor,
dançam de boca em boca,
em opulências de desolação.
No bloco dos sozinhos,
cada confete, uma lembrança,
serpentinas são lágrimas
e as máscaras borradas desfazem a alegria
como se fora sempre o fim
do mais triste dos carnavais.

Imagem: Patrick
Ciranna

Veja um novo poema em http://bloguesuite.blogspot.com/

sábado, fevereiro 10, 2007

Opção

Por favor, permite que minha saudade
comece a se aquietar.
Ou então volta para meus dias
e arranca de mim
as tristes vestes desse amor sem jeito
e sem vontade de se acabar.



Desnuda-me e verás com que espinhos
me arranhei para chamar tua atenção.
Desnuda-me, enfim, da solidão.
Imagem: Titiano

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A Carta

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
Adélia Prado



Fui escrever uma carta de amor
que finalmente o convencesse
de que não pode mais viver sem mim.
E contar minhas vantagens,
as palavras de amor que guardo (segredo),
do café especial que aprendi só para você.
Fui falar que sei muita música bonita
e danço conforme a música quando estou feliz.
Eu quis dizer também que a tristeza
só mora comigo porque você não está.
Ia explicar que sei jogar
e também rolar no tapete.
Ia dizer dos meus dias intermináveis,
sem você.
Queria lhe contar da chama
e da possível entrega que o aguarda,
dos lençóis que se dissolvem
em perfumes pesados.
Nada falei.

Queria ter o lume dos poetas,
o rumo e usar as palavras como farol!
Nada sei, nada.
Nem as palavras tenho,
nem sei o seu itinerário.
Não o alcanço.
Fala outras línguas
e vai por outros mundos.
Este papel, em sua branca inutilidade,
irônico me observa.
Calo-me. Só.


Imagem: Guilhaume Plisson

terça-feira, fevereiro 06, 2007

CONVITE

Meus amigos, hoje estou em festa. Fui convidada para participar do lindo mundo de Léo Scarterzinne, onde passo a publicar também, regularmente.
Espero-os lá para ler INSÔNIA II.


Tenho certeza que irão gostar muito.

domingo, fevereiro 04, 2007

Degustação

Degustar-me não é fácil, amigo,

Há em mim, quase sempre,

o sabor enjoado, passado dos limites,

de fruta verde que se morde lentamente.

Sob a língua, o amargor destrambelha os sentidos.

Por vezes, ardo.
Os rios do mundo despejados
podem aliviar por segundos
e volto a queimar.


Se, porém, juntar a fome e a paciência,
banhar tudo com ternuras,
se souber misturar os olhos,
trocar os pés pelas mãos,
molhar a palavra em minha boca
e me desnortear

posso ser pêssego maduro
e doçura embriagando o mundo
que havia em torno de nós.

Imagem: Veronique Mansart

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

História de amor

Um dia, ele chegou com um jeito de marinheiro,
trazendo flores para os meus cabelos,
(oxalá fosse sereia e pudesse encantá-lo para sempre).
E, acredite, borboletas me confundiam,
meus dias puro jardim.
E era um amor tão grande, e era com tal alarido
que pássaros um tanto tolos vinham invejar na janela.
Orquestra e coro.
Eles lá, nós aqui, em dueto.
Um dia, ele se foi com o viço das flores
(que tentei encompridar até o longe futuro).
Hoje, sem viço, sem perfume, sem cor, se pudesse,
iria embora também
(nas mãos, flores...).
(Um dia, ele me fez pensar
que eu era a deusa do mar).
Imagem: Gustav Klimt