quarta-feira, março 29, 2006

SIGNO


Nunca acreditei em astrologia, mas já li muito o meu horóscopo em jornais. É muito engraçado ver aquelas generalizações despreocupadas e que, sem mais nem menos, repetem-se, idênticas, depois de um ou dois meses.
Alguns são muito elegantes e animadores. Outros são meio trágicos e prenunciam sofrimentos dignos de heroínas românticas.
Sou descrente dessas coisas. Só acredito nas pessoas, sempre.
É tão fácil acreditar em sorrisos, beijos e palavras carinhosas.
Acredito até quando dizem que sou bonita e corro ao espelho, julgando que meu interlocutor tem razão. Eu sou linda! É uma ilusão desvanescente, mas o tempo que dura é suficiente para me deixar alegre. E bonita, claro.
É muito mais gostoso acreditar nas pessoas que no horóscopo. Ele, geralmente é engano.
Elas, ao contrário, usualmente são aquilo mesmo que pensamos. Inteligentes, boas, lindas, amigas e gentis.

Porém, quando eu leio esse poema de Vinícius de Moraes, sobre o meu signo, dá uma vontade de acreditar em astrologia tanto quanto acredito nos meus amigos.


Você nunca avance
Em uma mulher de câncer.
Seu planeta é a lua
E a lua, é sabido
Só vive na sua.
É muito apegada
E quando pegada
Pega da pesada.
É a mulher que ama
Com muito saber
No tocante à cama
Não sei lhe dizer...


P.S. do post, como diz o Silvio Vasconcellos:
Este post é uma homenagem ao Guto Leite, um amigo muito especial que ganhei por esses dias.
Aliás, já era amigo, mas agora, é muito mais.

Imagem: Ora-El

domingo, março 26, 2006

Autobiografia


Big-bang, fiat lux e eis-me, ente.
Anjo não houve, apenas ecos de gemidos. Não entendi porque, ainda não sabia do pecado original. Só iria conhecê-lo muito mais tarde e...que delícia de pecado.

Saí a enfrentar selvas e feras e, muitas vezes,
fiquei perdida em mim e de mim.
Ah! como me perdi em palavras belas e mentirosas, em carinhos frígidos, em ilusões, névoas.
Quantas vezes encontrei clareiras e água fresquinha.
Quase me deixei ficar parada nesses oásis, mas eles se desmanchavam. Eram miragens.
Outras águas lodosas e feias me ameaçaram, enganos.

Continuo na selva, talvez menos densa, certamente mais árida. As pernas e a alma trazem lanhos de espinhos e também perfumes de flores raras. Em minha bagagem, há lembranças de sol e permanências de escuridão. Há caixas fechadas de dores e pequeninas sacolas cheias de pedaços de felicidade que vivo guardando para me iluminar.

Vivo e isso é essencial. Ente, entre as gentes.

As flores? Ah! não são nada, aqueles presentes que gosto de me dar, às vezes

Imagem: Carol Robinson

sexta-feira, março 24, 2006

PRECIPÍCIO


Mora em mim uma ânsia desmedida.
Sempre dou o passo em falso e além.
É um jeito meu de tentar ganhar o que não tenho e que me perde sempre.
Afoita, não me meço e nem meus passos.
Desvalida, atiro-me como um Ícaro cego e, como ele, quebro-me em mil pedaços lá no fundo.
E tudo recomeça: juntar cacos, dar nova forma, caricatura do que fui e emergir, até o próximo sonho.

Imagem: Haley Brown

quinta-feira, março 23, 2006

Viagem que não houve




Queridos, EU IA fazer uma pequena viagem ao paraíso. Por isso, o que vem abaixo não se concretizou por causa das chuvas imensas lá na cidade. Mas, deixei o post quase como era antes, porque as fotos são tão lindas, não tive coragem de apagar.

Descansar uns dias, à beira da natureza onde ela ainda é bela e quase intocada. Águas quentinhas e transparentes, dentro da floresta, tucanos e flores. Desta vez, levo comigo uma delícia chamada "Afrodite", de Isabel Allende, cujo subtítulo é "contos, receitas e outros afrodisíacos", cheio de lindas fotos. Levo também, meu indefectível caderno de anotações. Não, não pretendo copiar receitas afrodisíacas, mas quem sabe?
Essas fotos que estão vendo, são de lá, onde estarei amanhã, pela manhã. A cidade é Lagoa Santa e fica bem na divisa entre Goiás e Mato Grosso do Sul.
Retorno no domingo, com os olhos floridos, toda cheia de cantos de pássaros e verdes maravilhosos.
















"Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão." (Victor Hugo)

quarta-feira, março 22, 2006

Esquecimento


Geralmente devaneio. Dentro dos meus olhos, há um amor.
Ele, que nunca veio, traz-me as flores que eu me dou porque não há amor nenhum.
Vou, sozinha pelos dias e percorro horas comigo mesma, sempre, sempre.
Comigo, só sonhos.
Tento pensar em carinhos, mas esqueci como são.
Resquícios apenas de algumas palavras e ligeiras carícias, mas, o que será isso?
Não sei mais. Em mim, só esquecimentos. De mim, todos se esqueceram.

Imagem: Paulo Cesar

sábado, março 18, 2006

Saudade

Um dia e me perco.
Um dia sem ele e meus ângulos nascem tortos.
Dois dias sem ele e sou apenas sede.
Três dias sem ele são ondas a desmanchar castelos de areia.
Um dia mais e vago, estrela nova buscando o rumo
do meu amor ausente.

Imagem: Samuel Caldeira

quinta-feira, março 16, 2006

Promessa


Hoje queria apenas me enrodilhar e fechar os olhos às lembranças, àquele sol- vagalume que iluminava aqui e ali de você, anjo dormindo. Iria esquecer o clown encantado cantarolando a ode à alegria e atrapalhando minha falsa concentração em algum trabalho vão. Hoje prometi que não me lembraria de sorvetes e chocolates que teimavam em se desmanchar em nossas bocas, uma só. Não ouviria sua música e não sentiria sua voz plantando flores em meus ouvidos. Hoje não seria romântica e esqueceria esse amor encharcado de dores. Prometi que hoje não pensaria em você e nem nunca mais.
Mas, logo na manhã, fiquei sem saber o que fazer das minhas mãos e de mim.

Imagem: Linda Thompson

quarta-feira, março 15, 2006

Devaneio


Como diz o Beto Guedes, foi como ver o mar. A primeira vez que o vi, alguma coisa mudou em mim. Algo em meu corpo saiu do eixo, e minha alma argentina sabia que eu estava perdida. Ao vê-lo, perdi o rumo e as palavras. Só enxerguei seus olhos nos meus, daquele jeito de menino perdido, pedindo colo. Lado a lado e tão distantes, havia um raio, um frenesi. Minhas mãos indóceis queriam tocá-lo, já imaginei logo uma dança, um bailado dos nossos corpos. Entretanto, para mim, ele é proibido. Sempre foi e talvez seja para sempre. Ainda assim, não suportei imaginar outros dias sem ele. Ainda que longe, estava sempre comigo. Ainda que de outra, é meu, no coração e no meu corpo. É meu, em minha imaginação, em meus sonhos. Aliás, sonhar é o que faço, acordada sempre, ou dormindo. Fomos nos aproximando tão instintivamente, fomos nos tornando tão iguais, ou reconhecendo nossas semelhanças, sei lá. Foi tão naturalmente que nossos versos se cruzaram. Uma dança, um fogo, uma lenta e inexorável junção que, quando vimos, as palavras já tomaram novos rumos. Não resisti um segundo sequer à sua atração. Não quis e não pude resistir. Ao contrário, lancei-me nele, entreguei a ele, primeiro meus sentimentos, depois minhas vontades. E, ele relutante, temia o meu ardor, assustou-se com o tamanho do meu querer, com a ânsia dos meus sentidos. Jurei esquecê-lo, prometi recolher minhas teias. Combinamos tudo: somos amigos, irmãos, companheiros na seara do conhecimento. Esquecemos que o desejo é indomável, esquecemos da sede, da fome escondida em mim. E, naquele dia tão comum, em uma conversa amigável e tranqüila, de repente, irrompeu em mim tão poderosamente, não me contive. Beijei sua boca, como há tanto queria. Beijei alucinadamente sua boca que queria em mim inteira. Ele só me dizia louca, louca e me beijava, desesperado por também não conseguir resistir. As mãos se tornaram independentes, traçando desenhos em nossos corpos ansiosos. Meu corpo queimava a cada toque e, ao mesmo tempo, arrepiava-se. Sua língua, um veneno em meu corpo, o mais doce dos venenos a me enlouquecer. Minha boca, sua perdição. Minha boca nele se perdeu sussurrando as palavras que o desejo cria pra os amantes aumentarem o que já é imenso. Beijos alternavam-se em nós, os corpos colados, como se fosse para sempre e o prazer dos gemidos mais loucos embalando nossa dança. Noite, longa noite, em que nossos gritos de êxtase acordaram o mundo, em que nosso desejo, contido e escondido se libertou das convenções e nos deixou rendidos, ambos. Finalmente, exaustos, nos abraçamos como dois perdidos e adormecemos em nossos corpos molhados. E agora? E depois? E o que será? Como será? Não sei, não sei. Só sei do meu sentimento, só sei do meu desejo, só quero saber do desejo dele, só quero ouvir novamente aqueles gemidos em minha boca, em meus ouvidos, em meu corpo. Louca, louca, como ele me chama, só quero novamente aquela noite.

segunda-feira, março 13, 2006

Carta


Meu amor,
naquela noite em que se foi, fiquei à porta, olhando o mundo deserto e escuro. Minhas mãos, agora inúteis, esboçaram gestos de dor e desalento e você nem viu porque, inexorável, já dobrara a esquina. Não consegui voltar e olhar para os móveis insensíveis à minha dor, apesar de ainda guardar o calor do seu corpo neles. Para que ainda ter móveis? E aqueles quadros na paredes? A quem contemplarão se sua beleza está ausente? Meus olhos estão secos, árida a alma, tão deserta quanto a casa, a rua, a vida. Os cachorros não entendem nada e estão pensativos e tristes, imaginando que morri porque me vêem apenas invólucro. Não há mais perfumes na casa morta, o seu chocolate secou e há muito, desvaneceu o seu perfume. O aroma dos seus beijos que estavam em meu corpo, ainda está aqui, doendo. As flores? Permanecem nos vasos, mudas e secas, que a vida você levou delas.
Dizem que ando distraída. É que, às vezes, como criança, ainda olho nuvens, procurando-o nelas. Inutilmente porém, quase esqueci seu rosto. Só não esqueço o sabor na minha boca deixado por sua pele, nem seus olhos brincando de pega-pega nos meus pés. Não esqueço, não esqueço, não esqueço nunca e isso dói mais sua ausência. Essas lembranças equivocadas são maiores que o seu não-estar e permanecem, físicas. Seu legado para mim é essa alma desatenta, só olhando para a perda. Não, não peço que volte, mas ainda hoje, permaneço à porta, esperando que a esquina se ilumine com seus passos viajantes.

sexta-feira, março 10, 2006

Sonhos



Sempre sonho com um amor, um amor suave e feroz em suas audácias.
Sendo amada assim, não haveria escuridão em meus dias e nem medos. Só a certeza do braço e do colo, do riso e do beijo.
Em dias e noites felizes, sairíamos a nos mostrar para o povo, bobos de conter tanto dengo e contentamento, só porque seríamos, nós mesmos, a realização do amor.
As dores seriam todas suportáveis porque o meu amor me aninharia em si e contaria histórias sem nexo para acordar minha alegria e me fazer dormir e eu o mimaria como anjo em que, para mim, ele se transforma, sempre que o miro.
Os brinquedos desse amor seriam todos escandalosos, com jeito de invasão e entrega, em longas e incansáveis horas. E depois da posse, sonhos, em nós misturados, não sei se meus, quem sabe dele.
Esse amor é um sonho que tenho.

Imagem: Antônio Canova

quinta-feira, março 09, 2006

Presente, maravilhoso presente


Gente, eu sempre recebo presentes dos meus amigos e gosto de mostrar aqui.
Esse é especial, tão lindo!
Sou privilegiada demais por ter à minha volta tantos tesouros.
Colei a mensagem inteira porque ela é todinha poesia.

De: Maria Helena.....(cortei o resto)
Enviada em: terça-feira, 7 de março de 2006 17:52
Para: Saramar104@yahoo.com.br

Assunto: poemeu para amigaminha


Sara, este versos são o resultado do impacto que senti ao ler teus versos.
São seus, vindos dos dedos meus !!


Beijos !



Menina do tempo

Ah, menina !
Com que vestido de mulher já se veste !
És borboleta no casulo olhando o sol pelas frestas,
e tuas asas já fazem vento ao redor
És brisa travessa fazendo barulho nas cortinas
Teus versos são murmúrios medievais!
Cavaleiros sumidos nas conquitas dos vales
Teus amores são os do soldado manco
a recordar o amor deixado prá trás
teu cantar é de pássaros !
Tua dor se iguala aos gemidos dos arvoredos nos ventos da tempestade
Teu sorriso brilha prismas nas águas do tempo
Que caminhos já percorreu e já não se lembra mais ?
Que cantos ouviu que já não tem paz?
Que saudades são essas , menina ?
Ah, menina !
Que luz escondes!

Imagem: Keiishi Nishimura

quarta-feira, março 08, 2006

Matar o amor


O Cesar disse que a realidade não salva amor algum.
Na verdade, todos os dias sofremos pequeninas dores que vão matando o amor em nós. Qualquer desatenção, como disse o Chico, a falta de carinho, de um mínino cuidado o abate.
A indiferença de quem é rei para o seu súdito, de quem é deus para a criatura torna o amor cambaleante, anêmico.
O amor se nutre de pequeninas coisas. De sonhos sonhados juntos, de palavrinhas doces e moles e afagos quase imperceptíveis, de risadinhas bobas e cúmplices, de paciência, olhares famintos e tremores no corpo. O amor se alimenta de líquidos.
São patinhas de borboletas que tocam nosso coração e, nele, fortalecem o amor.
São orvalhos e penumbras que o revelam para o ser amado.
São mínimas, ínfimas e invisíveis delícias que o mantêm.
O Cesar está certo. Isto não combina com realidade.

Imagem: Luiz Felipe Navarro

terça-feira, março 07, 2006

Mulher


Mulher é assim, "uma beleza imensa", como disse o Luiz Vieira.
É também uma Florbela, que sangra por seus amores, mesmo que durem um dia.
Mulher é a mãe do "meu guri" e também é aquela cujos três filhos morreram hoje queimados porque ela estava trabalhando.
Mulher é como todas as antigas deusas da beleza que encantavam outras mulheres e todos os homens. E é também as pobrezinhas sem amor, sem colo, sem nada.
A mulher sempre é anjo, mesmo de perdição.
Suas asas invisíveis a levam a outros e desconhecidos lugares, de onde traz os planos, os risos e os beijos.
Mulher é assim, está sempre atrás.
Atrás dos sonhos, dos seus e dos outros, dos sonhos dos filhos, dos sonhos dos homens para realizá-los.
Atrás do sustento e do alento.
Atrás da beleza, do sucesso, do prazer e do amor.
E de carinhos simples e inesperados.
Mulher atrai.
Mulher é um bicho meio estranho, maravilhoso e esconso.
Sai na chuva pra se molhar e quando um raio cai em si,
ela nunca cai.
Mulher é gente também e também chora de dor, escondida no quarto, às escuras, como os homens choram.
É girassol e penumbra.
É luz e lodo.
É flor.

Imagem: Degas

domingo, março 05, 2006

Desfragmentação


Hoje saí cedinho, andando pelas calçadas molhadas. O sol meio adormecido no colo das nuvens.
Saí me procurando, tentando encontrar pedaços que venho deixando aqui e ali. Andei por ruas imensas e vazias. Apenas eu e meu desejo de voltar inteira. Vazios, vazios em meus olhos. Vazios dentro dos meus olhos. Em mim, não há alma, há espaços, buracos. Uma árvore seca e sem sons. É assim que estou. Em mim, apenas ecos de risadas e suspiros. Os sons se foram levando nacos de alma. Saí a retomá-los por onde imagino que possam ter se perdido. Nada. Nas ruas molhadas da chuva de ontem, apenas eu. Inútil busca quando se é só e so se encontra os pedaços, voltando para dentro, cerrando as portas e, na escuridão, no silêncio e na dor, colar o que resta, amálgama disforme do que antes eu era.

Foto: Pedro Couto

sexta-feira, março 03, 2006

Solidão


Às vezes, sinto-me um fantasma entre vivos. Como no filme de Bergman, há gritos em minha garganta, há sussurros em minha boca, mas ninguém para ouvi-los. Talvez eu fale em língua morta ou em outra faixa, outra dimensão.
Os dias são iguais e vazios e as horas são paredes altas crescendo à minha volta. Isolada, qual princesa proibida, prisioneira escondida do mundo, por trás do mundo, ando em círculos, buscando alguém, um meigo som, um amigo, palavras de amor. Mas, tudo é tão escuro! Não vejo nada, ninguém me olha. Cerca-me uma tristeza quase irremissível, de náufrago desesperançado.

quarta-feira, março 01, 2006

Depois de Momo


Retorno aos dias comuns.
Retorno cheia de saudades e carinhos, depois de ser mimada durante quatro dias por arlequins e pierrôs amigos que adivinhavam meus desejos e coloriram minhas noites.
O céu também me presenteou com exageros de estrelas e sóis imensos.
Beija-flor esteve ao meu lado, imenso, branco e calmo.
Joguei bola na piscina com lindos e bronzeados apolos e chorei de rir com Dianas e Afrodites.
Baudelaire fez muito sucesso entre o público e quase não parou em minhas mãos.
Orwell, coitado, ficou trancado na mala, esperando outra oportunidade. O duplipensar não combina com rei Momo.
E, agora, vamos à vida!