terça-feira, novembro 21, 2006

Se o amo?

Se o amo? Não sei. Só sei que eu o sinto, como se aqui estivesse e me levasse a alma, lavasse o pó e me fizesse Vênus, nascida da força do seu amor. Sinto-o em mim, nessas manhãs em que o sol se retarda como para manter as penumbras onde nosso amor se aninhará, preguiçoso e lento. Sinto-o sempre, e o constante sentir o transforma em presença, em migalhas de estrelas durante a noite ou cheiros, em cios. Nem mais sei se o sinto ou se deixei de ser para beber em sua boca o alimento da minha vida inteira.
Se o amo? Não sei. Só sei que miro o céu e o alcanço, sonhando com seus abraços e com a doçura voraz de sua boca.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Foi-se o Poeta


Foi-se o Poeta, foi-se.
Foi-se o Poeta e, no entanto, o mundo segue.
Como pode meu Deus?
O Poeta de mel, que libertava estrelas
e as colava em pipas de sonho.
O Poeta que misturava vidas em palavras tão doces quanto o açúcar com que alimentava suas amigas, tão pequeninas e agora menores ainda.
Encerram-se os versos também pequeninos de beleza agoniada e mágica.
O Poeta pastor de formigas, agora sozinhas e desnorteadas.
Fecha-se o telescópio impedindo o nascimento de outros versos.
Contemplando suas últimas palavras, chorei de dor.
Nelas, a esperança, a enorme esperança que o grande Poeta trazia em si e em seus versos sempre acompanhados das mais belas músicas.
Foi-se o Poeta para colher formigas no céu.

(em homenagem ao meu grande e querido amigo, Nel Meirelles)

Imagem: Nicoletta

sexta-feira, novembro 17, 2006

Saudade


Saudade se assemelha a gente.
Tem endereço, nome, música de fundo e até telefone. Que nunca chama.
Saudade mora, acorda e se alimenta.
Às vezes, dorme sono frágil e em sonhos, geme, chora, ri.
Saudade anda, anda por aí,
pula dos olhos, vê o invisível.
É um ser dentro do outro, um sobressalto de som, do tom.
Saudade se quer amante.
Constrói recantos e circunstâncias e mata com facadas.
De tanto ser gente, é pastora de lembranças,
anjo de guarda do amor.

Imagem: willian Whitaker

domingo, novembro 12, 2006

Mágico


Amor, por quantos caminhos me leva, folha de outono.
Quanto me faz mergulhar nestas fontes que secas, secam minha seiva, mas que me saciam todas as sedes, ao brotarem como o sol de depois do mar. Apesar de argonauta, nômade de mim, você me resgata das inconstâncias e arrepia minha boca, persistente como o sal do mar que o alimenta. Mágico arauto dos meus sonhos, água de matar a sede, vinho de me entontecer, nunca vem em vão, pois que me arranca do chão enquanto pousa em mim e me leva, leve, leve.

Imagem: Minrong Wu

sábado, novembro 11, 2006

Tristeza


Foi ilusão, agora percebo. As horas que imaginei, de amor, só imaginação foram. E aqueles beijos, nada mais que veneno celebrando minha perdição. Têm razão os ascetas que se escondem em paragem única e assim não podem se perder. Trancada a alma, cegos os olhos e mortos os lábios, deixam-se levar pelo vazio que guardam em si. Não sofrem, não fazem sofrer. Foi ilusão, já sei. Os mares e seus tesouros enfim revelados são áspera descoberta de baús desvendando sangue. Foi ilusão, eu vi. E perco o alvoroço das horas e as cores dos dias. É o circo que se vai, levando todas as cores, todos os risos de todos os palhaços, todas as mágicas. Aqui, do círculo de alegrias, só uma indelével marca no chão.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Hoje

Hoje na madrugada, amor,
se estivesse comigo,
suas mãos nas minhas,
sob essas estrelas,
eu provaria o sal que trouxe em sua boca
como se deuses,
em noite de benevolência,
movessem o mundo para nosso deleite,
como se amar fosse simples e terno, apenas.


Hoje, amor, queria um outro tempo,
movimentos convergentes
e meus pés tocando os seus.
Imagem: François Bouchet

domingo, novembro 05, 2006

Proposta


Pelo meu amor que me desnorteia, eu te proponho me amar também.
Proponho o amor sem consagração dos sábios, sem incensos.
Proponho o amor profano dos amantes sem perdão, que não nem se entregam ao medo, mas apenas a si mesmos.
Proponho a entrega dos beijos, o abandono de membros e de todo pudor.
Proponho a queimadura na pele marcada de dentes, ardente, ardente que sendo fogo, furacão, seja ainda vento perfumado.
Proponho que me ames como criança e como sábio.
Que saiba ler em meus lábios todas as palavras de amor que murmuro nas horas em que me entrego a ti, deusa em que me transformas, das mais ternas loucuras.
Que me recolha em ti, no morno cansaço de depois e cante em mim, a canção dos beijos de amor.
Proponho que me ames como eu te amo e que te entregues a mim, como o rochedo ao mar, sabedor das lutas cotidianas e violentas em que te envolverei, cúmplice, vassalo, semeador, rei em seu reino.

Imagem: Ty Wilson

sábado, novembro 04, 2006

Refletindo sobre a eternidade do amor

Meu amigo DO perguntou se o verdadeiro amor é eterno.
Ele mesmo tem a sua resposta porque seu lema é "o amor não se conjuga no passado: ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente".

Fiquei refletindo sobre o amor e sua eternidade.
Padre Vieira disse, certa vez, que o amor nunca dura e por isso, é sempre representado como uma criança. Deve estar certo. O amor pode sim ter vida curta, mas não deixa de ser amor.
Nem acredito que o amor se transfere de uma pessoa para a outra. Para mim, o amor é fênix.
Porém penso que representá-lo como um pequenino ser significa que ele apenas é, no seu tempo e no seu espaço. Não cresce nunca, não amadurece, não endurece, não envelhece.
O amor é sempre uma criança dentro de nós. E, como toda criança, ele nos conduz usando a imaginação, a magia, o sonho e a esperança.

Creio também que o amor existe para compensar a fragilidade da alma humana diante da solidão ancestral de cada um. Pois que o homem, em seus tormentos e dores, é o ser mais solitário entre todos os seres e abriga em si, tempestades indivisíveis com seus semelhantes.
Porém, quando o amor o invade, recônditos da alma se abrem instantaneamente, clareiam-se, arejam-se e as dores ali guardadas fogem diante deste calor desconhecido.
Pelo amor, assim limpa, assim aberta e iluminada, a alma se livra de seus fantasmas e recupera sua pureza original.
Tal o milagre do amor. Ele, criança, ao nos tomar, transforma-nos em crianças novamente. Enquanto assim estivermos, o amor também estará e será.

Imagem: Guillaume Seignac

quarta-feira, novembro 01, 2006

Coração bobo

Essas coisas do coração, quem pode explicá-las?
Essas idas e vindas semelhantes a trapézios emocionais por vezes me perturbam e sempre me deixam imersa na profunda dúvida sobre a correção do que faço ou digo.
Porém, o que sabe o meu coração do que é correto se só o que faz é lançar-se assim, como um pássaro meio cego em espaços estranhos, atraído talvez por sons agradáveis, por palavras doces?
Nada sei, tal qual meu "coração bobo".
Apenas espero fragmentos de felicidade que chegam de formas inusitadas e quase imperceptíveis. Cega que sou, posso perdê-los, esses fragmentos obscuros de uma felicidade pequena, pequena.
Se fosse um poeta, desses enormes, imensos no desvelamento das palavras, escreveria uma canção capaz de atrair a minha felicidade inteira que, encantada com meus versos, viesse habitar para sempre, este vazio triste que há em mim.
Entetanto, nada sou nem sei.
E a felicidade passa célere, em leves pedaços que se vão à menor brisa.

Imagem: Alfred Glockel