quarta-feira, julho 23, 2008

Noturno

Se à ilusão me entreguei
foi pelo peso das noites
e o amanhecer que tarda.

Enceno, toda noite,
a delicada farsa de uma festa.
Sonhos trançam redes
nas paredes da madrugada lenta
e és apenas a sombra rápida
que pulsa no ritmo de extinta música.

Entreguei-me à ilusão noturna
de tua presença.
Não durmo para entrevê-la
ou ela não me deixa adormecer
ou não quero adormecer
pois que só nos festivos delírios
da lua em minhas flores,
adivinho teu riso,
frêmito de sol entre as sombras.

A manhã me encontra reclinada ainda
sobre a ilusória festa.
O dia se estende como o frio lençol
que se deita sobre mim.
Nem mais ilusão existe,
uma claridade indiferente
é o que resta.
Imagem: Silvia Lopes

domingo, julho 20, 2008

Absurdo querer


Depois do absurdo querer que se abriu sobre mim,
céu de desconhecidas luzes,
molhe dos mares do mundo inteiro de me recolher,
conheci os maiores segredos dos deuses felizes e ignorados:
esperar, ao final das horas,
o carinho ora tenso,
ora o laço de me enredar,
os braços do meu amor,
onde me perco e me prendo.

Nada é mais preciso que sonhar esse sonho,
e ver as nuvens que nos olhos dele passaram,
flores,
vestígios da língua dos amantes
solta em música, em dança.

Depois de saber desses segredos,
a vida anda na trilha encantada dos desejos,
em teia de amor envolta.

terça-feira, julho 15, 2008

Que poema me libertará?

O poema me libertará?
logo esse poema torto
de se servir das mais toscas palavras
do arremedo dos versos,
pedras escorando o amor
que não tem guarida
tonto
por não ter onde se revelar
por ser nada,
flor jogada na esquina,
antes que se dobre a rua
e a vida vire
e volte a ser o de sempre.

Que poema me libertará
da certeza triste
que me acorda todas noites
encolhida em cantos,
reconduzindo-me a momentos
de abandono e aromas,
renitente como espinho
fingindo que é distância,
mundos depois dos mundos,
a impossibilidade do amor?

quinta-feira, julho 10, 2008

Se morro deste amor...


E se morro deste amor,
o que será dele, o meu amor perdido,
vagando ainda vivo, nestas ruas da solidão?

A tatuagem andará nua, sem a pele
que a abrigava e sem nada,
apagar-se-á, de medo?

Sombra de minha sombra,
o amor me criou e agora me mata.

Inutilmente, minha alma pede a alvorada,
mas meu amor encontrou outros trilhos
e tudo arde, prenunciando as cinzas.

Tudo arde, meu amor
e morro, em ímpio fogo.
Distante das cinzas, entretanto,
no silêncio de quem sabe esquecer,
nada lembras do que me faz arder.

Imagem: Eugene Carriere

sexta-feira, julho 04, 2008

Meu sol


Tão quieta estava
envolta na lida estranha
de acalentar a solidão
tentando calar a mágoa,
cantando para ninar dor.

Então, saíste de ti para mim.

E já não sei para onde voltar os olhos
se, negros dessa costumeira escuridão
de quem nada lembra do amor,
perderam o rumo, mal sabem enxergar.

És tanta luz, meu amado!
Deslumbrante, vences minha noite
trazendo nas mãos, as flores novas
deste dia que nasce, por seu amor gerado.

Imagem: Dennis Kelly