sábado, maio 31, 2008

Do teu amor, que quisera meu

Imprevista, os espelhos me mostram
outra mulher, deste teu amor iluminada.
E perdem meus pés, o chão,
passarinho pela casa em cantos desafinados
sem fala, sem medo, sem mais nada
senão o teu vôo riscando meu mundo
em rabiscos delicados de amor.

E sigo, brilhando sob o teu olhar
à quentura do teu beijo e o meu morno ventre
flor e o seu sol presos num instante
antes de todas as primaveras, atrasadas.

Enfim, em alva liberdade, sei e sabes
das palavras em lugar dos nomes
"minha amada", meu amor
e da mímica dulcíssima de beijos
no silêncio azul das madrugadas.

sábado, maio 24, 2008

Quando meu amor vier...


Na longa noite da minha janela azul
ouço os passos do meu amor em súbita vinda
o coração louco, o arrepio nos espelhos
acesos desta luz que se anuncia
em seu cavalo amarelo,
minha vida, meu amor que vem, enfim.
Já o pressinto após a noite
e a música dos seus passos acordando
a felicidade de quem se despede da madrugada.
Minha alma depois de toda ausência,
alvoroçada, a pressenti-lo
ofuscando a invejosa manhã
e sua mão colorida de todas as flores
abrindo o dia e os gestos de amar
do meu corpo que já os esquecera.

(quando o meu amor vier...)

segunda-feira, maio 19, 2008

Saudades


“Neste dia de inverno
tenho-te como um gemido”
João do Carmo



Disseste adeus com a fluidez
de quem pode falar dentro
da alma em quietude,
as plavras mais tristes.

Em jardim estéril me deixaste
como flor de papel
descolorindo-se em suicídio.

De teu amor, exilada, desnorteei-me,
perdida perto do chão, quem antes,
andara beirando o céu.

Lá fora, mais um outono se vai
enquanto em mim, o inverno se eterniza
no longo caminhar das horas,
no gélido vento da solidão
e da saudade que me atormenta.

Imagem: Redsnap (Flick)

Hoje, também estou em aqui.

quarta-feira, maio 14, 2008

O nosso amor que invento


Invento o nosso amor
e ele, inverterá as sombras,
tecendo-as com amarelos, dias de cor.

O nosso amor que invento,
refaz-se em cada sonho,
em cada beijo que dorme
no sossego dos meus lábios.

O nosso amor que invento,
transtornará a cidade,
com seu desequilíbrio
que todo amor é malabarista
e se quedará desembaraçado,
em alguma esquina de maio,
por um fio, um beijo, uma esperança.

O nosso amor que invento,
do desconcerto dos desejos,
plantará ventos e flores pelos caminhos
que todo amor também sabe doer
e voltar no tempo para se refazer.

Por esse amor que invento,
nosso, embora não seja,
moram no meu silêncio, tuas palavras
como se percorressem, em ritmo certo,
a linha oscilante do querer
que só nos meus sonhos existe.

Imagem: Quint Buchholz

sábado, maio 10, 2008

Minha mãe


À minha mãe e a todas as mulheres que são ou serão mães...

Como fruto do cerrado e seu tenso invólucro
guardando em fero leite, suas sementes,
renasce minha mãe, todo dia, colorida e forte.
Como árvore de alimentar e seus frutos
assim é minha mãe, de braços amplos,
feito ramos
e suas seivas do amor,
o mais perene,
espalhando-se pelas vidas de quem a cerca.

Minha mãe, minha mãe,
quantos espinhos a feriram
se nenhum em ti nasceu?
Que mares insistem em salgar tuas raízes
ainda assim fecundas,
prenhes de calmo e constante cuidar?


Eu te amo, minha mãe,
fruto aceso do cerrado,
que no calor próprio de tua alma
sempre se abre em seiva,
em sumo doce de amor
e de todo possível amar.

terça-feira, maio 06, 2008

Do amor e de quem ama


Vive o amor os seus segredos
e assombra os inocentes (ainda)
com o minucioso tecer do desejo
ou o tremer da língua
um segundo antes do beijo.

Vivem os amantes os seus mistérios
e desafiam os incrédulos (ainda)
com aromas azuis e vermelhos
e olhos entardecidos
de sonhar os dispersos crepúsculos
na floração dos corpos.

Conta as horas, o amor
para a noite esplêndida.

Iludem o sol, os amantes
trânfugas, a recomeçar.

quinta-feira, maio 01, 2008

Cego amor

“Cega-me com o brilho de teus olhos
Que cega ando eu há muito por te amar.”
Florbela Espanca


Eu te amo e sigo imaginária,
sem melancolias ou sobressaltos.
Sei do meu amor à sombra de ti,
que nada sentes por não saber de mim.
Calma e só, eu te amo, sem perturbar
as manhãs de tua vida ou tua solidão
solidamente construída,
noite a noite em labor de artesão.

Ainda que não pressintas,
meu amor feito de esperança e perfume,
de miragem e fantasia
meu amor é do feitio do dia,
diverso de ontem e constante,
como se pudesse florescer em ti,
estando em mim profundamente plantado.

Sigo te amando,
insuspeito pássaro entre nuvens,
sem perturbar o brando intumescer das águas
ou o líquido precipitar.
Sigo só, em sede, em sonho
de um súbito incêndio a queimar tuas cortinas
e de tua aberta voz docemente debruçada
sobre o silêncio do meu cego amor.

Imagem: Nicoletta